sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Natal - O rosto do nosso Deus

Todos nós mais crentes ou menos crentes ou até descrentes, já nos perguntámos muitas vezes como será Deus. No entanto, a imagem que d'Ele fazemos tem muito mais a ver com a nossa recriação do que propriamente com aquilo que Ele é verdadeiramente.
Uma vez mais o Pe. Correia de Oliveira traz-nos a sua visão, verdadeiramente humana e ao mesmo tempo divina e nas quais eu creio, uma vez que este é o sentido pleno da divindade incarnada.

Aníbal Carvalho

Natal - O rosto humano do nosso Deus

1. Deus é amor e humor

a. Deus é amor
No Natal revela-nos o rosto, a identidade do nosso Deus: aparece-nos como criança que não mete medo a ninguém, que não tem vergonha de permanecer na nossa terra, que, afinal, nunca abandonou o paraíso que criara, que continua permanentemente à nossa procura, como o fizera com Adão, que jamais falta ao encontro e ao diálogo, que quer e está mais presente em nós do que em qualquer sacrário do mundo, porque nós somos os seus únicos interlocutores, os que estamos à sua altura, feitos à sua imagem e semelhança, capazes de amar e nos deixarmos seduzir, construtores e consumidores de felicidade.
É consolador saber que Deus não tem pejo da minha carne, da minha miséria, do meu pecado. E saber que me abençoa diariamente, só sabe olhar para o meu lado bom, perde a cabeça comigo, não deixa escapar uma ocasião para fazer declarações de amor, organiza festas em minha honra, renova permanentemente o meu estatuto de filho, continua a apostar e a dar a vida por mim. É nele que vivo e encontro o meu ponto de referência; é ele que me faz sentir habitado, amado e válido.

b. Deus é humor
Esperávamos um Deus omnipotente, rico e importante, e Deus nasce, indefeso, numa aldeia perdida do globo, fora da sua terra e da sua casa, adorado por marginais (pastores) e estrangeiros (magos) e ignorado pelos seus. Deus ri-se dos nossos ares de prestígio e grandeza, porque se sente o último e está ao serviço de todos (onde ele fica mesmo bem na fotografia é no presépio, no lava-pés, na cruz e fora do sepulcro). O que o caracteriza não são os atributos e os privilégios, mas a ternura, o amor e a compaixão. Bem tentamos inventar um Deus que seja a compensação das nossas fragilidades: somos pobres, imaginamos um Deus rico; somos fracos, criamos um Deus forte e poderoso; sofremos, idealizamos um Deus impassível e olímpico; precisamos dos demais, construímos um Deus autónomo e independente. E Deus ri-se, porque para nos parecermos com ele e sermos divinos de verdade, só precisamos de amar um pouco mais, de servir o outro e os outros um pouco melhor, de não levarmos tão a sério os nossos defeitos e o nosso pecado, de sermos mais simpáticos e atenciosos, de perdoarmos e acreditarmos mais uns nos outros. Ou seja: necessitamos de ser mais nós próprios, mais humanos, mais atraentes, mais sedutores, mais benignos, mais distribuidores de bênçãos e de ternura.


2. Deus é nosso conterrâneo e contemporâneo

A boa notícia transmitida pelos anjos aos pastores foi esta: “Nasceu-vos hoje em Belém, em vossa casa, um Salvador!”. Não me amou à distância e por correspondência. Preferiu o contágio e a comunicação directa.
Fê-lo há dois mil anos, mas, se extrair uma certidão autenticada do seu nascimento, verifico que o presépio está instalado dentro de mim, que ele tem residência habitual na minha casa, que vive a meu lado e é meu condómino, meu compatriota e concidadão, meu conterrâneo e contemporâneo. Ele é o meu território e a minha Pátria, como dizia Santo Agostinho. É de hoje e de sempre: o meu Senhor e o meu Deus, como proclamava Tomé, após a ressurreição. Ele é o portador e o transmissor de espírito, o vencedor da morte, o vivente, o que nos ameaça continuamente de Vida.
Quando uma personagem admirável se apaixona por outra aparentemente insignificante, somos levados a perguntar: “Que terá visto nessa pessoa?” Algo, que nos escapa, terá enxergado e vislumbrado nela. No Natal, irrompe a pergunta: “Que terá visto Deus nesta pobre humanidade, para se apaixonar e dar a vida por ela? “Que é o ser humano, interpela um salmo, para que Vós, Senhor, vos lembreis dele?”. Dizia Martín Descalzo: Afinal, todos nós nascemos em Belém, porque em Belém nasceu o melhor de nós próprios.
Auguramo-nos, no período natalício e na passagem do ano, boas festas, alegria e felicidades. Mas como, no caso de Jesus, é necessário descobrir que a solidão de Belém se atenua com a visita dos Magos, que a fuga para o Egipto se completa com o regresso à residência de Nazaré, que a pretensa perda em Jerusalém desagua no encontro familiar e cálido com Maria e José. Ou seja, as nossas entradas no novo ano não devem descurar todo o calendário posterior, pois as intempéries do inverno só se dulcificam com a suavidade da primavera, os dias feriais só assumem sentido se saborearmos os festivos. A mirra da nossa fragilidade e do nosso cansaço precisa de combinar com o odor do incenso da nossa simpatia e com a preciosidade do ouro de toda a nossa riqueza interior.
Pe. Correia de Oliveira

NATAL, oportunidade para fazer uma reforma administrativa

Contrariamente àquilo que o comércio e a mundanidade de hoje nos sugere, o verdadeiro Natal que em cada ano vem até nós, propõe-nos um tempo propício para olharmos para dentro da nossa "casa" e para a nossa "vizinhança", de forma a podermos fazer uma boa avalição do nosso "deserto" interior e abrarçarmos conscientemente valores mais autênticos e duradoiros.
Para nos ajudar a fazer essa caminhada, deixo aqui um texto muito significativo do Pe. Correia de Oliveira, o qual nos interpela e desafia, para que sem medos, a aceitemos tal como Aquele que nasceu, nos deu como exemplo.
Aníbal Carvalho

Natal, oportunidade para fazer uma reforma administrativa


Já que Deus, pelo Natal, parece ter desarrumado tudo e feito um investimento numa zona erma e desertificada (João Baptista prega no deserto e o povo vai atrás dele), bom seria, também nós, procedermos a algumas alterações significativas:

1. Mude a capital do seu país
- Esteja atento e aposte mais nos seus arrabaldes, que são, afinal, a sua face oculta, o seu lado mais humano, o seu interior e o que tem de melhor. Houve reis de Portugal que deixaram a cidade de Lisboa e viveram temporariamente em Coimbra, Leiria, Viseu e Évora. E Jesus não nasceu na cidade de Jerusalém nem em Belém, mas na periferia, nos arredores.
- Povoe mais o seu terreno maninho e, em vez de extirpar defeitos, potencie as qualidades. Se continuar a guiar-se apenas por si, corre o risco de se extraviar, como aconteceu com os Magos em Jerusalém, que era a capital do conhecimento, mas também dos indecisos (veja-se o caso de Herodes e dos doutores da lei).

2. Aproveite o material reciclado
- O Natal é o tempo da terceira idade: Zacarias, Isabel, Simeão e Ana. São miraculados, que se entretêm a distribuir bênçãos. Todos revalidam os prazos: Simeão estica a vida, para poder ver a Luz das nações – o Menino Deus; Ana, aos 84 anos, dedica-se a cantar os louvores de Deus e com voz calibrada e afinada. Nunca se é idoso, quando se está à espera de alguém, quando se vive para os outros, quando se estende os braços e os olhos para Deus. Não obstante parecermos estéreis (é o caso de Isabel), o Espírito Santo já nos fecundou há imenso tempo e levamos mais de seis meses de gestação na santidade. Temos de apoiar o processo revolucionário em curso, que Deus iniciou em nós.
- Deus utiliza aparentemente material antigo ou ainda não testado (como é o caso de Nossa Senhora), jogadores que não estavam sequer convocados para estágio nem tinham lugar no banco dos suplentes, e com eles faz maravilhas.

3. Cresça e desapareça
Jesus crescia em estatura, sabedoria e graça, porque obedecia a seus pais na casa de Nazaré.
- A Igreja cresce, quando é discreta e não se anuncia a si mesma; quando não aposta no número dos fiéis, na força das estatísticas, na concorrência ou no seu prestígio, mas se pauta pela fidelidade a Jesus Cristo; quando se sente pequena e pecadora, é que descobre que a sua força vem de alguém que está no meio dela.
- O cristão só merece esse título, quando se converte e verifica que o importante não é empenhar-se muito na corrida, mas correr na direcção certa; não tem de fazer mais, mas de comportar-se de forma diferente; não deve tratar a salvação como um assunto pessoal mas como uma opção comunitária. Deus faz-nos crescer por contágio e toque pessoal: ser santo é colocar-se totalmente nas suas mãos e parecer-se cada vez mais com Ele.

Pe. Correia de Oliveira

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

NATAL

Natal significa nascimento. Para nós cristãos, significa celebrar a festa do nascimento de Cristo, que aconteceu há pouco mais de 2000 anos.
Com a comercialização da época, muitos já não sabem do que se trata. Sabem que se oferecem prendas uns aos outros, mas não sabem sequer, a razão por que o fazem. É a paganização do Natal. Ora isso torna estes momentos, muitas vezes dramáticos e dolorosos, para quem faz estas coisas sem qualquer sentido.
É preciso e urgente reencontrar o verdadeiro sentido do Natal.
Para que o essencial não se perca, trago aqui um texto lindíssimo, escrito pelo Pe. Correia de Oliveira, que com a sua devida autorização aqui reproduzo.
Pode ser que com esta visão nos consciencializemos, todos, de que andamos muito enganados, quando só olhamos para as luzes e para as prendas, e esquecemos Aquele que nasceu e que agora estamos a homenagear.
Aníbal Carvalho

AS SURPRESAS DO MENINO DEUS


É Natal, não quando me limito a comemorar a vinda do Filho de Deus a este mundo, mas quando tomo consciência de que Deus nunca saiu da nossa terra e encontra a sua alegria e o seu céu em morar no coração de cada homem.

É Natal, não quando recordo folcloricamente um facto que aconteceu há dois mil anos, mas quando espero sofregamente a Boa Notícia de me saber sempre querido e amado por Deus.

É Natal, não quando faço do meu Deus um ser todo-poderoso, nimbado de anjos e de milagres, mas quando descubro o seu rosto de criança indefesa, que desarma a minha fome de prestígio, de domínio e de força.

É Natal, não quando figuro um Deus impassível, longínquo, abstracto, mas quando sinto a meu lado, pelo caminho da vida - como os dois exilados de Emaús - um Deus vivo, que se fia e aposta em mim, ama, se compadece, cultiva o humor, faz festa e é bem mais humano do que eu próprio.

É Natal, não quando adoro um Menino Jesus açucarado, pobrezinho, que provoca pena e compaixão, mas quando pressinto um bebé perigoso, que põe em rebuliço Jerusalém inteira e seus chefes, gera interrogações e se faz procurar pelos pobres - pastores e Magos - que subverte, provoca e incomoda o meu comodismo e as minhas certezas.

É Natal, não quando inundo o meu Deus de presentes, de promessas e de boas obras, mas quando esqueço as prendas à boca do presépio e ali fico estupefacto, extasiado, maravilhado, com a ternura do Menino, que se fez e me ensina a ser mais simples, mais atento, mais sensível, mais acolhedor dos meus irmãos.

É Natal, não quando busco no cristianismo um meio de me afirmar, de me autojustificar e de discriminar os demais, mas quando saboreio o retrato do meu Deus, que não faz mal nem mete medo a ninguém e, por isso, nasceu num presépio e se deixou matar numa cruz.

É Natal, não quando me preocupo e vanglorio das coisas que faço por Deus e pelos outros, mas quando inventario e agradeço o amor e as maravilhas que Deus faz por mim cada dia.

É Natal, não quando remeto a conhecidos e amigos a costumeira avalancha de cartões de Boas-Festas, com mensagens impessoais e anódinas, mas quando distribuo pelos que estão a meu lado atenções contínuas, personalizadas e criativas.

É Natal, não quando concebo um Deus solteiro, feliz apenas consigo mesmo, mas quando acredito e vivo de um Deus-família, solidário e casado com a humanidade, que faz equipa, acompanha e se sente responsável diariamente pela minha fidelidade e felicidade.

P. Correia de Oliveira

domingo, 7 de dezembro de 2008

Um Conto de NATAL

Estamos a chegar à maravilhosa época de Natal e, por isso, sabe sempre bem recuperarmos estórias, bem nossas, e que por vezes, parecem que se perderam no tempo e no espaço. Esta foi recuperada e espero que nunca mais se perca, mesmo desconhecendo o seu autor. Quem quer que ele seja presto-lhe a minha homenagem, e com a sua autorização, vou partilhá-la com todos os que a quiserem ler.
Aníbal Carvalho

Um conto de Natal
Esta é uma história de Natal, diferente, mas igual a muitas outras histórias. E como todas as histórias, invariavelmente esta também começa com: 'era uma vez...'
Era uma vez um homem e uma mulher, ambos já de muita idade, que viviam numa pequena e modesta casinha isolada nas terras de Trás-os-Montes e Alto Douro. E ali viviam, desde que se tinham casado já lá iam cinquenta e quatro anos.
Os filhos entretanto cresceram, constituíram família e foram viver as suas vidas para a cidade, tendo ficado o casal a viver sozinho. As visitas dos filhos eram escassas e este ano tinha sido o primeiro em que nenhum dos dois filhos tinha feito nem uma visita aos “velhotes”. Embora não o dissessem, sentiam-se abandonados... mas, o Natal estava a chegar e como era tradição, as famílias reuniam-se em sua casa e passavam o período Natalício em conjunto. Já faltava pouco para que pudessem ver e abraçar filhos e netos!
Entretanto, a velha senhora cozinhava afincadamente dia após dia. Os seus olhos estavam mais vivos e os seus gestos mais lestos e cheios de alegria. A seu tempo as guloseimas e doces de Natal íam ficando prontas. As filhoses, o pão-de-ló, a aletria e os doces feitos a partir de receitas caseiras que só ela sabia fazer, mas que os netinhos adoravam. Ah... os queridos netinhos! Havia tanto tempo que não os via! Estas férias de Verão, e ao contrário do que era normal, não tinham vindo passar uns dias à aldeia. Mas isso agora não importava, porque não faltava muito e, eles viriam. Netos, filhos, e o resto da família. Aquela casa iria encher-se de novo de vida e alegria, com os gritinhos das crianças enquanto corriam pelo alpendre em gargalhadas histéricas e a lambuzar-se com os deliciosos docinhos feitas pela avozinha. As suas vozes acalmavam-se quando iam de encontro a ela e lhe segredavam ao ouvido: -"Sabes avó, gosto muito dos teus bolinhos... mas gosto ainda muito mais de ti!"
A avó, com o seu choro fácil, tentava sem conseguir disfarçar as lágrimas que surgiam. O marido, aparentemente abstraído de tudo, olhava ao longe. O seu ar duro suavizava--se perante aquele cenário de felicidade: a alegria daquelas crianças agarradas à avó. Sim, ele também era um homem feliz.
O filho mais novo vivia em Lisboa e a filha, em Coimbra. O casal não dizia nada mas sentia a falta dos seus. Estavam a perceber que a pouco e pouco estes se estavam a afastar, mas não ousavam dizer uma palavra, pois não queriam perturbar as vidas atarefadas dos seus filhos.
Nesta azáfama dos preparativos para o Natal, a velha senhora preparava-se para tirar uns docinhos deliciosos da fornalha caseira que ardia incessantemente quando o telefone tocou. O marido atendeu, deviam ser os filhos pra avisar quando chegariam. Ainda viriam provavelmente a tempo do almoço da véspera de Natal. Ele ouviu e não disse uma única palavra enquanto escutava o seu filho... este explicava-lhe que não iria ser possível ir lá acima. Um imprevisto profissional tinha acontecido e não seria possível passar o Natal lá em casa. Ao mesmo tempo, explicou-lhe que a sua irmã, ao saber disto, decidira também não ir, dado que sendo só ela, não valeria a pena ir! Afinal era uma viagem cansativa e complicada para os miúdos. Ele baixou o auscultador preto do seu velhíssimo telefone. O seu olhar triste foi pousar no olhar da sua esposa. Imediatamente ela percebeu. Não foi preciso dizer uma única palavra naquele momento. E não o disseram...
Sem desconfiarem, os filhos tinham destroçado os velhos corações dos seus pais e desta vez tinha sido a machadada final num ano muito difícil para ambos.Esquecidos e amargurados, ali ficaram. Ele ainda de pé, encostado à mesa, enquanto ela tinha já largado os doces e estava agora sentada numa cadeirinha de baloiço enquanto se cobria com uma coberta antiga que lhe protegia as pernas cansadas do frio, ao mesmo tempo que tentava esconder uma lágrima que lhe caía subitamente e rolava pela face. E assim, naquela noite adormeceram agarradinhos um ao outro, sentindo o calor da salamandra e tentando em vão aquecer os seus corações tristes.
Lá fora o frio caía na pequena aldeia, estava escuro e o vento soprava ferozmente... Ele levantou-se a meio da noite para fechar uma janela que batia furiosamente. O vento forte assobiava tenebrosamente na noite escura. Voltou para a cama e observou com um olhar sério e circunspecto a sua esposa que jazia com um olhar triste e vazio de esperança. Deitou-se lentamente e apagou a luz da gambiarra. E aquele dia assim findou...
De manhã, o dia acordou radioso, e apesar do frio que se fazia sentir, ele levantou-se cedo como era seu hábito e foi apanhar lenha pra alimentar a sua salamandra... A esposa, pelo contrário, ficou deitada. Não tinha vontade nem forças pra se levantar naquele dia. Ele entrou em casa, olhou-a prostrada naquela cama e, revoltado, pousou os ramos apanhados no bosque e dirigiu-se resoluto para o velho telefone.
Desta vez é que era. Estava decidido e ia fazer aquilo em que tinha pensado. A ideia amadurecera durante a noite mal passada. Esta vida triste tinha de acabar e ele estava resolvido a fazê-lo, dissessem o que dissessem, desta vez não iria estar com contemplações...
Pegou no telefone e ligou para o filho em Lisboa:
-"Filho... desculpa, eu não queria estar a incomodar-te, mas... eu tenho que te dar uma notícia. A tua mãe e eu... bem, nós... nós vamos separar-nos; 54 anos de sofrimento e infelicidade são pra mim mais que suficientes, e pra mim, chega! Estou farto...
-"Mas, pai... O que é que estás pr'aí a dizer? - gritou o filho.
Ele respondeu: -"Não conseguimos suportar-nos mais. Estamos fartos, e também já estamos fartos de discutir este assunto. Por isso telefona à tua irmã e dá-lhe tu a notícia." - e desligou o telefone.
Ela olhou com um ar de espanto o seu marido, pensando que talvez desta vez ele tivesse perdido o juízo por completo, enquanto este olhava pra cima e esboçava um sorriso de satisfação. Uma confiança súbita invadiu-lhe a alma com uma esperança renovada.
Histérico, o filho telefona à sua irmã de Coimbra que, ao saber da novidade, explode ao telefone. -"...o tanas é que eles se vão separar," - grita ela - "Eu vou já tratar disto."
Telefona logo de seguida pra casa dos pais. O telefone toca e quase de imediato o pai atende. Ele não tinha saído de perto como se adivinhasse que ele íria tocar daí a um instante: A filha, literalmente aos berros com o pai, diz:-"Vocês NÃO se VÃO divorciar. Tantos anos de casados, aturaram-se durante tanto tempo um ao outro, não é agora que vocês vão fazer uma coisa dessas. Não faz sentido! Não façam NADA enquanto eu não chegar aí. Eu vou ligar novamente para o meu irmão, e nós os dois vamos estar aí amanhã, sem falta. Até lá, não façam nada, OUVIRAM?" - e desligou o telefone.
O velho homem desligou também o telefone em seguida, e virando-se para a sua mulher deitada na cama, diz: -"Pronto, está tudo bem, minha querida. Eles vêm cá ter amanhã pra passar o dia de Natal connosco!"
Ela virou-se, olhou profundamente nos olhos do seu marido e percebendo a astuciosa artimanha que este tinha preparado aos filhos, abraçou-o. Uma outra lágrima voltou a escorrer na sua face, só que desta vez, a lágrima era de alegria. Iam passar o Natal com quem mais gostavam. Iam rever os seus filhos, os seus netinhos adoráveis e iam passar um inesperado, mas Feliz Natal... em família.

Autor desconhecido
(Adaptado)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Necessidade de Autoridade nas Escolas

Os Espanhóis fizeram, e bem, uma reflexão profunda sobre a indisciplina nas escolas. Dessa reflexão brota uma posição digna do maior realce pois é sustentada por um dos maiores pensadores contemporâneos sobre a juventude e os seus problemas, Fernando Savater, cuja autoridade moral é indiscutível.
É com agrado que registo aqui esses dados, e que mais coisa menos coisa, coincidem com a realidade portuguesa. Basta abrir os olhos e ver, coisa que os nossos políticos, infelizmente, não fazem.
Aníbal Carvalho


Especialistas em educação reunidos na cidade espanhola de Valência defenderam que o aumento da violência escolar deve-se, em parte, a uma crise de autoridade familiar, pelo facto de os pais renunciarem a impor disciplina aos filhos, remetendo essa responsabilidade para os professores.

Os participantes no encontro 'Família e Escola: um espaço de convivência, dedicado a analisar a importância da família como agente educativo, consideram que é necessário evitar que todo o peso da autoridade sobre os menores recaia nas escolas.

'As crianças não encontram em casa a figura de autoridade', que é um elemento fundamental para o seu crescimento, disse o filósofo Fernando Savater.

'As famílias não são o que eram antes e hoje o único meio com que muitas crianças contactam é a televisão, que está sempre em casa', sublinhou.

Para Savater, os pais continuam 'a não querer assumir qualquer autoridade', preferindo que o pouco tempo que passam com os filhos 'seja alegre' e sem conflitos e empurrando o papel de disciplinador quase exclusivamente para os professores.

No entanto, e quando os professores tentam exercer esse papel disciplinador, 'são os próprios pais e mães que não exerceram essa autoridade sobre os filhos que tentam exercê-la sobre os professores, confrontando-os', acusa.

'O abandono da sua responsabilidade retira aos pais a possibilidade de protestar e exigir depois. Quem não começa por tentar defender a harmonia no seu ambiente, não tem razão para depois se ir queixar', sublinha.
*Há professores que são 'vítimas nas mãos dos alunos'.

Savater acusa igualmente as famílias de pensarem que 'ao pagar uma escola' deixa de ser necessário impor responsabilidade, alertando para a situação de muitos professores que estão 'psicologicamente esgotados' e que se transformam 'em autênticas vítimas nas mãos dos alunos'.

A liberdade, afirma, 'exige uma componente de disciplina' que obriga a que os docentes não estejam desamparados e sem apoio, nomeadamente das famílias e da sociedade.

'A boa educação é cara, mas a má educação é muito mais cara', afirma, recomendando aos pais que transmitam aos seus filhos a importância da escola e a importância que é receber uma educação, 'uma oportunidade e um privilégio'.

'Em algum momento das suas vidas, as crianças vão confrontar-se com a disciplina', frisa Fernando Savater.

Em conversa com jornalistas, o filósofo explicou que é essencial perceber que as crianças não são hoje mais violentas ou mais indisciplinadas do que antes; o problema é que 'têm menos respeito pela autoridade dos mais velhos'.

'Deixaram de ver os adultos como fontes de experiência e de ensinamento para os passarem a ver como uma fonte de incómodo. Isso leva-os à rebeldia', afirmou.

Daí que, mais do que reformas dos códigos legislativos ou das normas em vigor, é essencial envolver toda a sociedade, admitindo Savater que 'mais vale dar uma palmada, no momento certo' do que permitir as situações que depois se criam.

Como alternativa à palmada, o filósofo recomenda a supressão de privilégios e o alargamento dos deveres.

domingo, 9 de novembro de 2008

Maravilhas de Lisboa

Admirem a cidade de Lisboa vista com olhos de fora. Trata-se de uma fotógrafa Holandesa.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A ESCOLA PÚBLICA E O FORDISMO

Texto fantástico de Luís Torgal (Prof. Catedrático da Universidade de Coimbra)
Para pensarmos claramente para onde este pseudo Sócrates nos está a levar.
É preciso parar, pensar e decidir.

A escola pública morreu, enquanto espaço democrático multifacetado (e idealista) de instrução científica e artística e de formação cívica -- já o proclamei aqui algumas vezes. Foi abruptamente estilhaçada pelo maremoto das desconexas e demagógicas ordenações socratistas de 2008: novo estatuto do aluno, nova lei sobre o ensino especial, novo regulamento de avaliação de desempenho docente e novo modelo de gestão escolar. Foi desacreditada pela propaganda do ministério e da ministra que a tutelam e caiu em desgraça junto da opinião pública. Foi tomada por demasiados candidatos a futuros directores escolares embevecidos pelos decálogos de José Sócrates e inebriados pelas cartilhas sobre as dinâmicas de gestão no mundo neoliberal - afinal, as mesmas cartilhas que agora puseram o mundo à beira do caos. Foi pervertida pela imposição, por parte do Ministério da Educação, de um sistema burocrático kafkiano que visa obrigar os professores a fabricarem um sucesso educativo ilusório. Foi adulterada por alguns professores pragmáticos ou desprovidos de consciência crítica, os quais exibem a sua diligente e refinada burocracia como arma de arremesso para camuflar as suas limitações científicas, pedagógicas e culturais. E, neste momento, quando decorrem nas várias escolas eleições para os conselhos gerais transitórios, está a ser vítima de um já previsível mas intolerável processo de politização (no sentido mais pejorativo da palavra). Tal processo é dirigido por forças que em muitos casos se mantiveram durante anos alheados dos grandes problemas das escolas, mas que na actual conjuntura encaram estas instituições (outrora) educativas como tribunas privilegiadas para servirem maquiavélicos interesses de poder pessoal e/ou de carácter político-partidário. A nova escola pública que está a emergir é uma farsa. Tornou-se um território deveras movediço, onde reina uma desmedida conflitualidade (e competitividade) social e política e uma grotesca e insuperável contradição entre os conceitos de 'escola inclusiva' e de 'pedagogia diferenciada'.
Nesta instituição naufragaram, entretanto, num conspurcado lamaçal, os nobres ideais instrutivos, formativos e educativos... O famoso PC portátil 'Magalhães', ofertado em grande escala, numa bem encenada operação de marketing, a alunos do primeiro ciclo que cada vez sabem menos de Português ou Matemática e utilizam os computadores somente para simples divertimento é, de resto, o mais recente exemplo do sentido irreal e burlesco das prioridades deste sistema educativo.
A nova escola pública é hoje uma empresa gerida por muitos tecnocratas alinhados com a actual ordem política, e equipada por operários que se desejam amanuenses servis e catequizados na alegada única ideologia vigente (a qual -- agora já todos o sabemos -- se encontra manifestamente em crise). A verdadeira função desta espécie de mal engendrada e desalmada linha de montagem é produzir, automaticamente, em massa, de forma acelerada, e a baixos custos, duvidosos produtos estandardizados. Esta nova escola é, afinal, um hino ao velho Fordismo. O tal sistema que venerou o dinheiro como
deus supremo do homo sapiens sapiens e que projectou um mundo sublime, onde o Homem é castrado da sua capacidade cognitiva e coagido a demitir-se das suas quotidianas obrigações familiares bem como de outros cívicos desígnios sociais em nome do lucro desenfreado (de uns poucos), da sobrevivência, do consumismo e do hedonismo desregrados. Aquele sistema perfeito superiormente ironizado por Aldous Huxley ('Admirável Mundo Novo') ou por Charlie Chaplin ('Tempos Modernos'), nos anos 30 do século XX, que está agora no epicentro de mais um 'tsunami' financeiro de consequências imprevisíveis para a humanidade, 'tsunami' esse cujas causas são reincidentes e estão bem diagnosticadas. Enfim, aquele implacável sistema materialista mecanicista e 'darwinista' cujo modo de vida John dos Passos também satirizou, numa obra datada dos mesmos anos 30 ('O Grande Capital'), com esta antológicas palavras: 'quinze minutos para almoçar, três para ir à casa de banho; por toda a parte a aceleração taylorizada: baixar, ajustar o berbequim-acertar a porca-apertar o parafuso. Baixar-ajustar-o-berbequim-acertar-a-porca-apertar-o-parafuso, até que a última parcela de vida tenha sido aspirada pela produção e que os operários voltem para casa, trémulos, lívidos e completamente extenuados'.
'Porreiro pá!' Mas, pá, será esta a escola e o mundo que nós desejamos para os nossos alunos, para os nossos filhos?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Desejo de Liberdade e de Espiritualidade

Transcrevo esta entrevista reforçando a importância destes dois aspectos na vida de cada pessoa, a que muitas vezes não ligamos por nunca termos sentido a usa ausência. Belo Testemunho para todos nós que "temos a barriga cheia" e nada parece faltar.

Entrevista INGRID BETANCOURT
Público 25.10.2008
“No inferno da selva não podemos aceitar um Deus qualquer” Durante seis anos e meio, esteve prisioneira na selva, nas mãos das FARC. Foi aí que descobriu que Deus é humano e tem sentido de humor. Libertada há quase quatro meses, Ingrid Betancourt, ex-candidata à Presidência da Colômbia, tem-se reunido com líderes políticos e religiosos em todo o mundo para lembrar que há ainda outros por libertar. Hoje sorri, mas ainda não cortou o cabelo.
Tristeza. Doença. Animalismo. Resistência. Resignação. Amizade. Até mesmo milagres. Ingrid Betancourt experimentou tudo isto durante os seis anos, quatro meses e nove dias em que esteve prisioneira das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Proveniente de uma família abastada e bem relacionada, Ingrid nasceu em 1961 em Bogotá, onde passou a infância. Mais tarde estudou Ciência Política em Paris, especializando-se em comércio externo e relações internacionais. Foi em Paris que casou com o diplomata Fabrice Delloye, pai dos seus dois filhos, Lorenzo e Melanie, dividindo depois o seu tempo entre a capital francesa, as ilhas Seychelles, Montreal e Los Angeles.
Em 1989, depois de se separar do marido, regressou à Colômbia, onde iniciou uma notável carreira política, que em apenas cinco anos a levou até à Câmara dos Representantes. Tornou-se o tormento da classe política, cujas ligações ao tráfico de droga Ingrid criticava. Em 2001, após ter afirmado que o Senado era "um ninho de ratazanas", Betancourt demitiu-se e anunciou a sua candidatura às eleições gerais de 2002. A 23 de Fevereiro desse mesmo ano,
durante uma arriscada visita em campanha eleitoral a San Vicente del Caguán, foi raptada pelas FARC. Ao longo dos quase seis anos e meio que esteve prisioneira na selva, tentou fugir cinco vezes, revelando aos seus captores ser uma refém problemática, pelo que a mantiveram acorrentada durante a maior parte do tempo.
Em Dezembro de 2007, o jornal El Tiempo publicou uma carta que Ingrid escrevera à sua mãe e que comoveu o mundo. Tinha sido confiscada pelo Exército colombiano juntamente com uma série de fotografias que mostravam uma Betancourt extremamente magra, pálida e envelhecida. Como resultado, as forças políticas mundiais mobilizaram-se para a libertar.
Finalmente, a 2 de Julho de 2008, foi salva pelas Forças Armadas colombianas, com outros 14 prisioneiros. A Ingrid libertada era muito diferente, a nível físico e psicológico, da que surgira nas fotos e na carta. Estava mais encorpada e parecia eufórica. De facto, apenas poucos meses após a sua libertação, e depois de passar o resto do Verão com a família, embarcou numa missão de lembrar ao mundo que ainda existem muitos reféns para serem libertados.
Encontrou-se com todo o tipo de líderes, desde o primeiro-ministro espanhol, José Luís Rodríguez Zapatero, e o papa Bento XVI ao Presidente francês, Nicolas Sarkozy, o seu anfitrião em França, onde agora Betancourt reside.
Ingrid diz que voltará à Colômbia assim que for suficientemente seguro, mas que não tenciona regressar à política - pelo menos que nós saibamos. Mas também tem sugerido que é possível um outro tipo de actividade política, até insinuando - e pelo menos foi essa a impressão que transmitiu nesta entrevista - que poderia ser ela a introduzir esse novo tipo.
Como se sente?
Espantosamente bem. Sinto-me fisicamente bem e psicologicamente equilibrada. Tenho fraquezas, mas consigo enfrentá-las, não me angustio com elas.
Na carta que escreveu à sua mãe em 2007 parecia abatida, desesperada, resignada. E as notícias sobre a sua saúde eram muito preocupantes. Ainda nos lembramos da fotografia em que aparecia magra, pálida e triste. O que aconteceu entre essa carta, e essa fotografia, e a sua libertação, para que tenha mudado tanto?
Uma série de milagres. Quando escrevi essa carta e me tiraram essa fotografia, eu estava numa situação muito difícil, tanto a nível físico como a nível psicológico. O aspecto físico é sempre a parte visível da nossa alma. Quando escrevi essa carta, o corpo estava muito doente, já não conseguia aguentar mais. Eu não conseguia comer. Deitava fora tudo o que comia e vomitava sangue. Toda a minha relação com o mundo era sangrenta. Eu estava extremamente fraca, e isso desencadeou uma virose grave. Essa doença física e a infinita tristeza da alma também originaram a resignação face à morte. Eu sabia que estava a morrer e sentia que tinha que aceitar isso e preparar os meus filhos e a minha mãe. Essa carta era praticamente um testamento: queria dizer-lhes quanto os amava. Mais do que tudo, queria que eles soubessem que eu estava feliz e grata a Deus por tudo o que me tinha acontecido e que não queria que eles se sentissem culpados ou com remorsos [...]. A certa altura fiquei prostrada, deixei de ir à casa de banho, não lavava as minhas roupas e não aceitava nenhuma comida. Por fim, um dos meus companheiros de prisão, William Pérez, que é enfermeiro, percebeu que eu precisava de ser tratada. Discutiu com os guerrilheiros, porque tinha de ser um tratamento especial, e conseguiu que eles me dessem antivirais e uma injecção intravenosa, o que foi uma tortura adicional, porque apanhei imediatamente flebite [inflamação das paredes das veias que perturba a circulação do sangue]. A minha situação ficou muito complicada. [...] Alguns dias antes de ser libertada vi essa fotografia numa revista antiga. Não tínhamos espelhos [na selva], e então percebi o impacto que ela tinha tido.
Para aqueles como nós que não estão familiarizados com a selva, é difícil imaginar o que terá sido o seu cativeiro. Imaginamos grandes privações, quando afinal as realmente sérias aparentemente eram as pequenas privações. Por exemplo, creio que um dos castigos mais frequentemente usados pelos guerrilheiros era não lhe dar papel higiénico.
Na selva descobrimos a dor em todas as suas dimensões. Em primeiro lugar, a dor da alma devido à perda da liberdade, que equivale a perder a nossa dignidade. O que nos torna humanos é a possibilidade de tomar decisões. Estamos sempre a tomar decisões: a que horas nos levantamos, o que vamos comer, onde vamos, que palavras vamos usar, o que vamos vestir, como vamos organizar por prioridades as nossas actividades diárias. De repente, o prisioneiro perde tudo - não podemos tomar decisões, nem que seja para ir à casa de banho, porque temos que pedir autorização [...] A selva é um lugar hostil. Lá tudo magoa. A pele não é um elemento de protecção, mas de dor. Na selva, tudo faz comichão, tudo é desconfortável. Ter um corpo na selva é como ter um peso extra, porque o corpo é simplesmente um local doloroso. Comer dói, ir à casa de banho dói, tomar banho dói, viver dói, respirar dói, não poder ver o céu dói, não poder ver aqueles que amamos dói.
Muitas pessoas imaginam que ser prisioneiro na selva é uma actividade ao livre, quando na realidade nem se consegue ver a luz do sol porque se está sempre em áreas densamente cobertas, para evitar sermos vistos. Até tinha que secar a sua roupa com uma fogueira, certo?
A selva é uma prisão. Na selva não há horizonte, está-se rodeado de vegetação espinhosa e agressiva que se fecha à nossa volta. Não há estradas, não se pode sair de lá...
Quando estava presa, pediu uma enciclopédia, mas deram-lhe uma Bíblia que mudou a sua vida. Pode contar-nos um pouco acerca da transformação espiritual que sentiu quando estava na selva?
Fui raptada a 23 de Fevereiro, e a 23 de Março o meu pai morreu. O meu pai era, e ainda é, o amor da minha vida. A forma como descobri, alguns meses depois, foi terrível. Foi um grande choque, porque quando sentimos que... [Começa a chorar e fica calada.] Sempre me senti abençoada, mimada pela vida. Quando tudo isto me aconteceu - o meu rapto, a morte do meu pai, a solidão da minha mãe -, eu tinha duas opções: negar a existência de Deus, e pensar que tudo acontecia por acaso e sem razão, um caos sem explicação ou respostas; ou encontrar Deus. No inferno da selva não podemos aceitar um deus qualquer. O Deus ritual da nossa infância já não é suficiente. Não chega acreditar que Deus é amor, ou que não o podemos explicar. Na selva precisamos de um deus racional. Se a nossa fé não for racional, se não tivermos a certeza de que Deus existe, não conseguimos iniciar uma relação com Ele. A tradição não chega. A religião católica não nos incentivou a ler a Bíblia, como se fôssemos intelectualmente diminuídos. [...] É muito difícil explicar, mas o que estou a tentar dizer é que percebi, ao ler a Bíblia, que Deus não é energia, ou luz, ou partículas de gás no cosmos; Deus é humano. Por outras palavras, a sua relação connosco é uma relação de palavras, e penso que isso é fundamental: perceber que somos seres de palavras. [...] Descobri um Deus com sentido de humor, com um sentido de autoridade, um Deus que educa, um Deus que ama, mas, acima de tudo, um Deus que é capaz de tudo. Isto significa que ele podia ter feito, em vez de seres humanos, robôs perfeitos programados para fazerem o bem. Por isso, a questão é: por que é que ele nos fez pessoas com livre-arbítrio, não robôs? A resposta é bonita: um robô pode ser programado para amar, mas se não tiver a liberdade de não o fazer, o seu amor não tem valor.
A princípio você respeitava o pensamento que esteve por trás da ascensão das FARC, apesar de não respeitar a sua evolução ou os meios que mais tarde utilizaram para alcançarem os seus objectivos, o que as prejudicou. Quando começou a sua carreira política, o poder estabelecido também perdeu a sua legitimidade, porque, com os seus abusos e corrupção, criou as condições para emergirem os guerrilheiros. Pensa que esse poder instituído, por oposição ao poder representado pelos guerrilheiros, tem mais legitimidade hoje do que antigamente? A sociedade colombiana é agora mais equilibrada, menos corrupta?
Eu pensava que as FARC eram uma resposta às contradições do sistema. Depois de viver com as FARC, aprendi que eles são um subproduto desse mesmo sistema, e foi essa a grande desilusão. Quando eu estava envolvida na política da Colômbia, pensava que as estruturas de poder tinham que ser alteradas. Hoje penso que é a alma do povo colombiano que precisa de ser mudada. [...] Quando penso na Colômbia, penso que somos o produto de uma civilização que está muito doente. E acabamos a pensar que não são apenas os corações que precisam de ser mudados, mas o mundo também precisa. E o mais incrível é que creio que isto é possível, bem como necessário e urgente.
Lembramo-nos da Ingrid Betancourt de antes do seu rapto como sendo uma rebelde em constante confronto com o poder, que dizia ser corrupto. Há quem diga que os guerrilheiros nos devolveram uma mulher submissa a esse mesmo poder. Ou seja: desde a sua libertação, você não fez nada excepto tirar fotografias com as pessoas mais poderosas do planeta. Não há chefe de Estado ou rei que não queira aparecer ao seu lado. Estas pessoas inundam-na com todo o tipo de honras, prémios e atenções. Pode-se dizer que tem feito muito com os poderosos, mas muito pouco com os desamparados, as pessoas humildes que rezaram pela sua libertação e encheram as ruas com a sua alegria, quando foi libertada.
Nestes meses de liberdade, tirei fotografias com muitas pessoas que vieram ter comigo na rua e me abraçaram. Essas fotografias estão nos álbuns de família, mas não são para ser vistas na imprensa. A visão que o mundo tem é provavelmente aquela que obtém através dos media. A visão que eu tenho é do amor infinito de tantas pessoas - algumas muito poderosas, outras muito conhecidas, outras menos, outras que são cidadãos comuns, mas a meus olhos todas elas são iguais e estou igualmente grata a todas.
Onde existe maior perigo para a integridade moral e intelectual - na selva ou nas grandes salas de reunião?
Acho que o perigo reside na própria pessoa, em perder o seu equilíbrio e objectivo. Os seres humanos são criaturas sociais. O que se vê na selva, a nível humano, não é muito diferente do que se vê no exterior, apenas as relações são mais intensas. Sei muito bem que na selva fui usada e manipulada, e sei que aqui, no mundo real, provavelmente algumas pessoas também me querem manipular. Mas não me importo com isso. O que estou a fazer, o que faço, é a consequência de decisões que derivam das prioridades no meu coração. Isso torna-me imune.
Estou num lugar em que as coisas que interessam a outras pessoas já não me interessam. Sou muito livre.
Quando era activista política, estava consciente do poder dos símbolos. Parte do seu sucesso era devido a acções - como quando entrou em greve de fome no Congresso ou distribuiu preservativos nas ruas de Bogotá - que se dirigiam directamente a parte do eleitorado. Agora, talvez porque usou tanto símbolos, tornou-se você própria um símbolo... É curioso que, de todas as pessoas que foram raptadas pelos guerrilheiros e depois libertadas, você seja a que se tornou um símbolo. Qual é, para si, a razão disto?
Não sei... Quando estava na selva, tive que pagar um preço muito alto por ser um símbolo.
Não se escolhe ser um símbolo, não se pode dizer que não sou isto ou aquilo, porquê eu...Mas, mesmo sem perceber por que fui escolhida, encaro isso como uma responsabilidade.
Enquanto ser humano, não existe nada de especial que me torne diferente de milhares de outros que foram raptados na Colômbia ou no resto do mundo. Mas tinha que ser alguém, tal como com tantos outros que também são símbolos. O que agora sei é que é uma responsabilidade e que isso significa que tenho que servir os outros. Isso para mim é uma coisa boa, porque a única coisa que me faz feliz é ajudar outros.
Uma última questão. Porque é que ainda não cortou o cabelo?
O meu cabelo é um símbolo, um calendário. Representa dias de cativeiro, meses, anos. É uma forma de lembrar que outros ainda lá estão, para que eu não esqueça, e assim o mundo também não o esqueça.
Exclusivo PÚBLICO/El País

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Belezas Emblemáticas de Portugal

Deixo aqui um link sobre as belezas de Portugal e da sua Cultura. Esta visualização é capaz de levar cada um que as contemple, a satifazer os seus desejos sobre as maravilhas que nos rodeiam e que muita vezes não nos damos conta.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Uma opinião de se lhe tirar o chapéu e que reproduzo para reflexão dos interessados

O Magalhães, o porco e o Sócrates (o outro)

Fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobre
Sobre o Magalhães (refiro-me ao computador português feito no estrangeiro) já se escreveram muitos e interessantes comentários, uns a favor e outros contra. Tudo visto, parece-me que resta uma generalizada (mas para mim preocupante) aceitação da medida. Ouviram-se escolas e professores sobre a iniciativa? Não, porque por elas pensa a ministra, para quem o Magalhães constitui "o instrumento principal da democratização do ensino"; ponderou-se o impacto que a tecnologia tem na melhoria do aproveitamento escolar dos jovens, analisando estudos disponíveis sobre a matéria, que concluíram pela sua irrelevância? Não, porque o coordenador do Plano Tecnológico já disse ao que vai: dois alunos por computador em 2010!
Dou de barato não saber que critérios presidiram à escolha deste computador e não de outro, da Intel ou da empresa de Matosinhos, e simplesmente não engulo a fantasia da ausência de custos para o Estado. Mas o que acho verdadeiramente preocupante é a generalizada adesão ao culto duma modernização pacóvia, que tudo resume ao mero mercantilismo (e não utilitarismo, como muitos impropriamente referem o conceito que, enquanto teoria filosófica, é coisa bem diferente). A formação sólida, que constitui a missão da Escola e dos professores, deve assentar numa clara hierarquia de valores: primeiro o conhecimento puro, depois o instrumental. Mas o que se tem feito ultimamente é a secagem das actividades cognitivas, substituindo-as pelas meramente instrumentais. Foi assim que se trocaram clássicos da literatura por textos ditos pragmáticos (simples formulários, notícias jornalísticas ou mensagens publicitárias) e se preferiram as actividades conducentes à aquisição de "competências" em detrimento das actividades de forte componente cognitiva. Foi assim que se enfraqueceu o ensino da Gramática, da Filosofia e da História e se reforçaram iniciativas híbridas ("área projecto" e "estudo acompanhado"). Surpreendente? Não, se tivermos em vista que quem decide são tecnocratas deslumbrados pela tecnologia e convencidos que os "bichavelhos" são suficientes para educar o povo. Parece-me evidente que há mais gente satisfeita com este bodo de Magalhães a eito que gente insatisfeita e ciente, como eu, de que as crianças do ensino básico não vão aprender melhor a ler e a interpretar o que lerem por causa dos computadores; ou de que não aprenderão mais cedo e melhor a Matemática fundamental por via do Magalhães; ou de que não se iniciarão precocemente na actividade de pensar e perceber o que as rodeia, por via do portátil. E é aí que reside o problema: fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobre. O impacto da componente cognitiva do ensino só pode ser comparado com o da sua vertente instrumental por quem conhece as duas e tem do exercício profissional uma autoridade que os tecnocratas desprezam. O tecnocrata é por norma e por formação pouco sólida um fanático da tecnologia, que com ela se satisfaz e nem sequer aprende com a natureza efémera de tantos projectos
tecnológicos (lembram-se do ensino assistido por computador, do Minerva, do Nónio, das Cidades Digitais e do endereço electrónico para cada português, entre outros?).
Stuart Mill referiu-se assim a esta questão fundamental do pensamento e da natureza humana:
"É indiscutível que o ser cujas capacidades de prazer são baixas tem uma maior possibilidade de vê-las inteiramente satisfeitas; e um ser superiormente dotado sentirá sempre que qualquer felicidade que possa procurar é imperfeita. (...) É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota ou o porco têm opinião diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados..."

Jornal "Público" (Opinião) 01.10.2008, Santana Castilho
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ser Jovem Hoje. Que medos, que perigos?

Um texto de uma realidade preocupante que merece ser reflectido maduramente por todos os que se preocupam com os nossos jovens

Geração "Delivery"

Não era melancolia, era constatação. O rapaz dizia: "Olhe para os meus pais e os amigos dos meus pais: são gente boa, deram duro na vida, investiram em nós, fizeram tudo o que puderam. E olhe para nós: um drogado, outro deprimido, outro morreu, suicidou-se, outro conseguiu estudar, outro não tem profissão...É isso, eu não sei por quê, mas deu tudo errado!".
Cybelle Weinberg, psicopedagoga, usa este desabafo real para dizer que "ser adolescente, hoje, é
muito mais difícil do que o foi em épocas passadas". Porquê? Porque hoje é tudo mais fácil.
Aparentemente, talvez.
"Os pais são mais compreensivos, mais tolerantes, há maior liberdade sexual, maior liberdade de
expressão, maior liberdade para a escolha profissional, maior liberdade para isto, maior liberdade para aquilo". Porém, "o que vemos são jovens com pouca iniciativa, angustiados diante da escolha
profissional, deprimidos, stressados, com dificuldade para sair da casa dos pais e definir o seu próprio caminho." Cuidado, isto não é para generalizar, mas, diz quem lida com adolescentes, é espantoso o número de rapazes e raparigas que estão nesta situação.
Esta ideia subjaz ao livro "Geração Delivery - Adolescer no mundo actual", coordenado por Cybelle Weinberg. Foi este ano publicado no Brasil (Sá Editora) e dá conta da preocupação de psicólogos, médicos, psiquiatras, pedagogos e professores com os nossos adolescentes. Ao longo de 16 capítulos, escritos por diferentes autores, se percebe a inquietação com os jovens, só aparentemente autónomos, só superficialmente independentes, nada preparados para a vida. De adultos, claro. Se a chegarem a ter, claro.
Fala-se de geração "delivery". O que é? Hipóteses de definição: 1. libertação, livramento, resgate; 2. Exoneração, desobrigação; 3. entrega; 4. distribuição, expedição; 5 transferência, remessa.
Percebe-se mal. O que é? Silvia dos Reis médica, responde: São jovens dos 15 aos 25 anos,
aproximadamente. Não há um dia em que não estejam usando algo "delivery"... Estão "totalmente imersos na tecnologia, simplesmente adoram botões(...). Estes dão-nos soluções rápidas para as necessidades do momento. Trabalhos que antes levavam dias para ser elaborados, que requereriam amadurecimento de técnica, anos de prática, paciência e também amadurecimento psíquico e emocional, simplesmente são resolvidos em segundos, de forma automática".
É neste novo paradigma, o do botão, que o jovem "geração delivery" se está a formar. "Ele estuda dessa forma, distrai-se nesse esquema, vê televisão ligado a vários canais ao mesmo tempo através da TV Cabo, em três línguas diferentes. O computador tem cinco janelas activas trabalhando simultaneamente, eles estão "on-line" em todos os sentidos. Enquanto acedem aos amigos virtuais, numa orelha têm o telefone, na outra o telemóvel..." Eles estão o tempo todo a estabelecer contactos múltiplos, "rápidos porém superficiais, com o mundo todo, literalmente falando. Tudo ocorre por meio de soluções imediatas, não há tempo para esperar, as decisões e as soluções vêm completamente sem elaboração". O mesmo se passa nos vínculos afectivos onde é a geração do "estar com", que implica apenas o momento, "tudo rápido, até intenso, mas superficial".
Geração do "gadget" tecnológico e da cultura "trash" (tudo é descartável), são os "fast-kids" a quem não é exigido pensar muito ou imaginar muito pois está tudo prontinho para o "input".
Algum problema com isso? Sofia de Reis: "Quem trabalha ou convive com adolescentes precisa saber: o jovem que recebe tudo caidinho do céu, sem conversa, sem proximidade, sem ter de ouvir aqueles antigos blablablás de sempre (é claro que adaptados aos dias de hoje) sente-se mais inseguro ainda, solitário, fica deprimido e inundado por uma terrível sensação de desamparo".
Há quem pense que se está a criar o homem "light", um homem descomprometido com posições,
ideologias e papéis sociais, para quem tudo pode ser e tudo vale. "(...)Trata-se de um homem
relativamente bem informado, mas de escassa educação humanista, muito votado ao pragmatismo, por um lado, e a vários assuntos, por outro. Tudo lhe interessa, mas de forma superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que percebe e, como consequência, se converte numa pessoa trivial, superficial, frívola, que aceita tudo, mas que carece de critérios sólidos em sua conduta. Tudo nele se torna etéreo, leve, banal, volátil, permissivo" ("O Homem Moderno - A Luta contra o vazio", 1996, edit.São Paulo: Mandarim)
Fala-se dos jovens com crises de pânico, depressão, violência, toxicodependência, anorexia, suicídio... Apetece perguntar, como Cybelle: E os outros, os adolescentes que não adoecem, que não dão trabalho, onde estão?
Ela responde: "Vivemos o fim das ideologias, não há conflitos de gerações, não há contra o quê se
rebelar. Eles estão em casa, pedindo pizza pelo telefone, vendo o filme alugado, navegando na
Internet. Sair de casa? 'Pra quê?'"
Citam-me Renato Russo: "O futuro não é mais como era antigamente...". E tem que ser? Corrigem-me a citação, indo buscar Adorno: "Não se trata de conservar o passado, mas de resgatar as esperanças do passado". E eu respondo com Gertrude Stein, nos anos 20, para Hemingway: "Vocês são a geração perdida, todos vocês". E fico na dúvida: Será que todas as gerações são perdidas? Eu gosto de pensar que a minha não é. Ou esta, a "geração delivery", do "quero-quero", "já-já", arrisca-se a ser mais perdida do que as outras? Lá dentro, do quarto das minhas filhas, vem uma voz de quatro anos que não me deixa pensar: "Mamã, vem cá". "Espera um pouco", respondo. A voz sobe de tom: "Vem cá, já, agora, já!”



DULCE NETO

Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2001 - Jornal Público

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ser Homem

O homem é a juventude que traz dentro de si.
Não a que tenha deixado morrer na sombra da lembrança, e
desenterre arqueologicamente das funduras nas horas apertadas,
ou a que, por cálculo, ingira em pílulas geriátricas de vária ordem,
mas a autêntica que viveu na idade própria, e conserve viva na idade
imprópria. A que sinta ágil nos membros emperrados, e desperta no
espírito sonolento. A que lhe sorria das rugas quando se vê no espelho
dos acontecimentos.

Miguel Torga, Diário

HUMOR

Um Lisboeta, depois de muito trabalhar, ainda de fato e gravata e todo suado, vê um Alentejano deitado numa rede, no maior descanso!

O Lisboeta não resiste e diz: - Sabe que a preguiça é um dos sete pecados capitais?
E, o Alentejano, sem se mexer, responde:

- A inveja também...!!!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Sinceridade

Ser sincero é, sobretudo, continuar no caminho dos primeiros passos conscientes. Não há uma sinceridade de cada momento, mas sim a que se prolonga, se cultiva, e se vigia. Quem é sincero por jactos, faz da traição o seu valor constante. Entrega ao anoitecer o Cristo que escolheu de manhã.
Miguel Torga

As Políticas Educativas resultantes da Novas Tecnologias conduzem a "um novo vocacionalismo"

Autores como M. Castells, R. Dale, S. Stoer, A. Stoleroff e J. Correia, entre muitos outros, assumem que as últimas políticas mundiais assentam numa visão futura, que passa por direccionar as orientações educativas no sentido de que os alunos devem aprender de uma forma utilitarista, na linha do já proposto por Stuart Mill, ou seja, a aprendizagem deve ser de raiz vocacional, uma vez que será uma mais valia para o processo económico e consequentemente para o mercado de trabalho. Daí a tendência de “novo vocacionalismo”.
A política capitalista, implementada nos Estados Unidos e depois exportada para todos os países ocidentais, resultante do “fordismo”, caracteriza-se pela subordinação de todos os outros interesses presentes nos subsistemas aos interesses económicos. Para se conseguir isso é necessário que as políticas ideológicas, normativas e educativas lhes dêem suporte.

Esta tendência também se manifestou de uma forma acentuada nos anos 80, em Portugal, sobretudo após a passagem da chamada orientação ideológica que surgiu como consequência do 25 de Abril de 1974. Nesta fase, e como consequência das reformas anteriores (reforma de Seabra 83), reforçaram-se as competências do ensino de actividades manuais, no ensino básico, e dá-se uma orientação clara a nível dos cursos potencialmente profissionais e da criação de escolas específicas para o mesmo fim (escolas profissionais).
Passados 20 anos verifica-se que em termos educativos em Portugal esta não foi uma solução nem rentável nem eficaz. Os alunos que procuravam estas áreas não o faziam por opção ou vocação, mas porque eram “empurrados” para lá, pois não tinham lugar para prosseguir os estudos, que foi a “moda” em tempos e que continua actual, na convicção de que todos tinham que ter um curso superior.
Hoje, ainda continua a padecer-se do mesmo mal, no entanto há uma ligeira tendência para alterar tudo isto. As razões que a suportam não têm por base realizar as opções vocacionais, mas sobretudo qualificar com níveis de ensino alguns alunos como menos capacidades ou com menos apetências para o estudo. É o que está a acontecer com os novos cursos profissionais e com os CEF’s (cursos de educação e formação) cujo objectivo claro é levar os jovens a terminarem a escolaridade mínima obrigatória.

Questiona-se se não será esta a primeira vantagem para uma aprendizagem de qualidade de acordo com os interesses pessoais do aluno e do mercado de trabalho. Sabendo que nem todos podem ter acesso a cursos superiores para poderem especializar-se em áreas concretas, é fundamental que muitos façam uma opção clara a nível vocacional escolhendo as aprendizagens a nível do ensino secundário que lhes permita conhecimentos para acesso ao mercado de trabalho. Até aqui temos assistido a um mercado de trabalho que tem no desemprego milhares de jovens licenciados mas cujos cursos não se enquadram nas necessidades das empresas. Sabe-se que este tipo de desempregados são os que demoram mais tempo a ser absorvidos pelo mercado de trabalho e normalmente fazem coisas para as quais o curso que se tirou não foi uma mais valia para isso.

As políticas educativas não podem ficar confinadas às necessidades, aos interesses e à procura do mercado de trabalho, pois haverá sempre outras razões e motivações, sobretudo de dimensão pessoal e humana que deve orientar tais decisões.
Apesar de Portugal ser um pequeno país e ficar numa zona periférica em relação aos outros países, economicamente mais ricos e com maior poder de decisão, em termos das organizações internacionais como a OIT, ONU etc., onde se tomam decisões capazes de fazer alterar o percurso das coisas, sofreu e de que maneira, esta tendência do novo vocacionalismo, tal como acabámos de ver.
Esta opção, se bem que possa ter algumas vantagens, terá a meu ver muitos inconvenientes. Em primeiro lugar limita a visão universalista que o ser humano deverá ter, depois impede ao jovem estudante um desenvolvimento de outras competências e conhecimentos que indubitavelmente estariam ligados a um processo mais amplo e diversificado.
A Agenda de Lisboa 2000 veio trazer uma nova esperança no sentido de poder qualificar todos para uma nova competitividade de mercado.
Esta Agenda estabeleceu como prioridades alcançar a competitividade nos países da EU através da liberalização dos produtos e serviços, e em particular o mercado de trabalho. Esta vontade política normalmente é conhecida como reformas estruturais.
O objectivo desta Agenda é que em 2010, a “economia seja mais competitiva, dinâmica e baseada no conhecimento, capaz de um crescimento económico sustentado com mais e melhores empregos e com maior coesão social”. Este objectivo pode qualificar-se de muito ambicioso.
Eis alguns objectivos principais:
Fomento da sociedade da informação.
Desenvolvimento de uma área europeia para a Inovação e Desenvolvimento.
Liberalização com especial atenção à política de competência.
Impulso às redes industriais, áreas das telecomunicações, transportes e serviços.
Maior eficiência nos serviços financeiros.
Melhoria da marca reguladora para a empresa.
Inclusão social; reciclagem e recolocação dos trabalhadores e modernização da protecção social.
Especial atenção ao desenvolvimento sustentável.
Hoje a situação económica europeia não está bem. A sua competitividade melhorou mas a produtividade não cresce ao ritmo desejável.
A cimeira de Lisboa identificou os problemas e desenhou os objectivos, por isso sabe-se que caminho seguir.

Aníbal Carvalho

sábado, 12 de julho de 2008

Cada HOMEM é livre.

O HOMEM é livre e não escravo, independetemente da sua condição humana, social, política ou religiosa.
Esta é uma dádiva suprema do Criador à criatura. Por isso, é imperioso que saibamos SEMPRE respeitar a liberdade de cada um, mesmo que nos seja hostil.
Para melhor elucidar o que afirmo, junto um vídeo da Amnistia Internacional, que vale mais que as minhas palavras.
Que sejamos capazes de ser livres permitindo que os outros o possam ser, tanto como nós.
Aníbal Carvalho

O uso dos sentidos

"O que eu ouço, esqueço.
O que eu vejo, lembro.
O que eu faço, aprendo."

Confúcio

Felicidade

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

A Cobardia

Miguel Torga escreveu esta mensagem em 23 de Setembro de 1966. Olhando bem ela continua tão actual hoje, como então.

Só há uma lepra humana pior que o despotismo: a cobardia. A cobardia individual ou colectiva, a que recua diante da força ou diante dos factos. De maneira singular ou plural, aberta ou encobertamente, a vida faz-nos sempre a mesma exigência: o exercício quotidiano da coragem e do risco. E quando o medo nos tolhe, e nos negamos a essa prática salutar, perdemos, como parcelas ou mesmo como soma, aquela mínima dignidade que distingue a pessoa da rês e o grupo da manada.
E o medo tolheu-nos. Por todo o país só se vêem paralíticos, seres entorpecidos, que renunciaram a viver no terreiro da claridade afirmativa e vegetam no antro da obscuridade negativa. Prudentemente fechado no seu casulo, cada qual olha o vizinho como um inimigo, a quem não fala e a quem não quer ouvir. Falar, é denunciar-se; ouvir, é comprometer-se. E só ao nível da anedota constituímos uma nação. Apenas nesse baixo plano chalaceiro dialogamos e nos sentimos irmãos.

Miguel Torga, Diário

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Água um bem a preservar

Todos nós sabemos que a água é fonte de vida. Sem água tudo acaba por morrer. Ainda que algumas plantas consigam fazer a síntese de água menos pura e alimentar-se dela, o homem para sobreviver necessita de água potável, limpa e pura. Só assim terá condições de retirar da água todos os ingredientes que necessita para poder viver.

Estamos a chegar a mais um Verão. Ora nesta época as necessidades são maiores e por isso não é demais que cada cidadão se questione sobre este bem tão precioso e sabendo que ele não é inesgotável o deve gastar com rigor, sensatez e parcimónia.

Hoje em muitos países, sobretudo da África e da Índia, já se luta com grandes dificuldades por uma gota de água potável, por isso os que temos água em boas condições devemos evitar todo e qualquer desperdício.

Para nos sensibilizarmos mais, aqui deixo um vídeo sobre o ciclo da água de forma a que aprendamos melhor a não desperdiçarmos tal bem.



Aníbal Carvalho

sábado, 14 de junho de 2008

Solidariedade e cumplicidade

A Sabedoria Popular

Penso que todos nós temos consciência de que o povo na sua douta sabedoria, transporta um conhecimento milenar. Esse conhecimento muitas vezes sem ser compreendido é fonte de vivência e de partilha entre os seus membros, pois não se sabendo a plenitude do seu conteúdo, ele está lá e revela uma profundidade inimaginável.
O que pretende realmente o povo dizer com o ditado: “uma mão lava a outra e ambas lavam o rosto”.
Antes de mais, este aforismo popular, revela uma solidariedade espantosa. Solidariedade convergente, nada interesseira e sobretudo partilhada. A sequência deste acto revela a totalidade do seu ser.
O facto de uma mão lavar a outra é sintoma de que uma mão só, não o consegue fazer bem, pelo que precisa da outra. Aqui a necessidade é aceite abertamente e não é rejeitada. Quantas vezes, a nossa auto-suficiência não leva o afastamento dos outros? Quantas vezes nos é oferecida uma mão de ajuda e nós a recusamos porque nos achamos capazes de viver melhor sem essa ajuda?
Ora as mãos para se lavarem uma à outra necessitam de se procurar reciprocamente e encaixam-se plenamente. São solidárias na acção e na limpeza. Depois desse trabalho colaborativo, ambas lavam o rosto. O rosto não conseguiria lavar-se sozinho, por isso precisa das mãos para ficar limpo e apresentável. Esse embelezamento torna-o mais atraente, e assim, fica mais capaz de se mostrar aos outros tal como é.
Normalmente diz-se que o rosto é o espelho da alma. Ora a ser assim é porque ele revela a pessoa no seu todo mesmo o seu “eu” mais íntimo.
Deste modo, o povo, através deste dizer revela-nos uma sabedoria profunda, feita prática, que comporta a solidariedade, o compromisso, a aceitação, a beleza e a autenticidade de cada um, apenas através do acto de lavar as mãos e o rosto.

Aníbal Carvalho

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Vontade

“É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente, porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução.”
José Ortega y Gasset

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O VALOR DAS COISAS

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.” 
(Fernando Pessoa)
É o que acontece comigo na partilha deste BLOG.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Maravilha de voz - Zeca Afonso

Uma voz como poucas, no nosso país, que nem o tempo fez esquecer.
Zeca Afonso - A não perder

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Duas Maravilhas

A Maravilha da Música (La Traviata de Verdi) associada à Beleza da Cor e do Movimento.
A não perder.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Liberdade

Entrevista ao Diário de Lisboa (24 de Outubro de 1945)

- Liberdade que é?
- Disciplina, consciência e autolimitação. E que ninguém nos venha com o papão do passado! O que todos querem é novo e limpo de mácula. Temos muito respeito pelos velhos, pela sua honradez, se a possuíram, pelos seus princípios, se os defenderam. Mas somos novos, estamos noutra volta do caminho, e ninguém, em boa consciência, nos deve acusar de pecados que não cometemos. Da mesma maneira que na palavra Mora o tempo vai depositando as suas conquistas, também no termo Democracia a experiência e a consciência tomam corpo. O que era bom em 10, pode ser mau em 40. Queremos do passado o sonho, o devotamento e a acção. Mas vamos juntar-lhe actualidade, técnica, e um conceito mais humano e dialéctico de encarar os problemas. Teremos a nossa ordem, que há-de precisar de pistolas da ordenança, e teremos as nossas realizações. Desejamos coisas simples e possíveis.
- ….E o povo…..
- Esse destino é?..
- O destino de todos os corpos vivos: crescer, multiplicar-se, procurar a felicidade, e deixar no seu caminho uma nítida e aberta marca de compreensão e de amor.

Miguel Torga - Diário

terça-feira, 22 de abril de 2008

A importância do Beijo

O ser humano é, por natureza, um ser eminentemente inter-relacional. Ele não vive só e necessita dos outros para atingir a plenitude da sua dimensão como pessoa humana. Cada um de nós é para os outros e os outros são-no para nós. É nesta interacção que construímos relações mais ou menos profundas, para que, através dessas proximidades, consigamos construir e viver as amizades, os amores, as famílias, as vizinhanças, as profissões e todas as outras relações em que se possam estabelecer comunicações.
Uma das formas de comunicar afectos é através do beijo.
Segundo a definição da Wikipédia, um beijo (do latim basium) é o toque dos lábios com qualquer coisa, normalmente uma pessoa. Na cultura ocidental é considerado um gesto de afeição. Entre amigos é utilizado como cumprimento ou despedida. O beijo nos lábios de outra pessoa é um símbolo de afeição romântica ou de desejo sexual.
Ainda segundo a mesma enciclopédia e outros documentos que abordam o assunto, parece que as primeiras referências ao beijo apareceram há cerca de 4.500 anos nas paredes de alguns templos na Índia. Diz-se que na antiga Mesopotâmia o povo tinha por hábito enviar beijos às divindades. Já mais próximo de nós, e sobretudo através das culturas que nos antecederam, as Greco-latinas, os seus membros guerreiros tinham por hábito utilizar o beijo, entre si, no regresso a casa após os combates.
Se bem que os gregos gostassem de utilizar o beijo nas suas práticas sociais, foram os romanos através das suas viagens expansionistas que o difundiram. Estou em crer que aquilo que hoje utilizamos na cultura ocidental, como cumprimento, se deve àquela difusão.
Os imperadores romanos permitiam que os nobres mais distintos pudessem beijá-los nos lábios. Os restantes nobres só o poderiam fazer nas mãos. Por sua vez a restante população, apenas poderia beijar os pés ao seu imperador.
Nestas formas de relação e comunicação existiam três tipos de beijos: o basium, entre conhecidos; o osculum, entre amigos; e o suavium, ou beijo dos amantes.
Os diferentes tipos de beijo foram evoluindo ao longo dos tempos e ganhando especificidades em quase todos os países. Assim, no nosso país e em quase toda a cultura ocidental, o beijo é uma forma de proximidade e afeição entre aqueles que o utilizam. Por isso, os amigos usam-no frequentemente para se cumprimentarem, ou se despedirem, sobretudo se existir algum tempo a separá-los. Entre os amantes e apaixonados, o beijo é utilizado como forma de demonstrar a sua paixão, expressa de forma mais ou menos arrebatada, por essa via.
É evidente que há outras formas de partilhar o beijo e com outros significados. Ainda há bem pouco tempo o beijo era usado, como por exemplo, em sinal de respeito ou até mesmo de reverência. Era o caso do cumprimento a uma autoridade eclesiástica, monárquica ou até uma distinta senhora.
Na nossa cultura popular existem aspectos muito relevantes em relação a este tipo de afectividade. Em muitas zonas do nosso país existe o ditado popular que diz que, ”quem os nossos filhos beija a nossa boca adoça”. Esta visão é bem reveladora da importância deste tipo de afecto para que as crianças que vão crescendo possam, gradualmente, ir absorvendo a afectividade dos outros humanos. Ora este gesto é muito bem visto e reconhecido pelos adultos através da gratidão e de bem-estar que lhes provoca.
O acto de beijar estabelece uma forma de linguagem muito próxima e expressiva, e utiliza, em simultâneo, três sentidos: o tacto (porque toca), o olfacto (cheira através da proximidade) e o paladar (pelo gosto que lhe poderá estar associado). Estes três sentidos produzem, só por si, uma reacção emocional bastante forte, ora se os juntarmos todos ao mesmo tempo, ela poderá ser explosiva. No entanto o beijo também pode ser fugaz e pouco expressivo. Entre as duas versões situam-se todas as outras que se possam ou queiram utilizar, de acordo com as circunstâncias e as afinidades de cada um.
Já agora, e costuma dizer-se como mera curiosidade que o acto de beijar pode levar à utilização de 29 músculos e provocar no coração batidas que poderão ir até às 150 por minuto. Com tanta emoção que o beijo pode produzir, ele é capaz de levar ao desgaste de 12 calorias de cada vez que é dado. Pois bem, aqui está uma boa metodologia para emagrecer e ao mesmo tempo, com ele podem eliminar-se muitos males, pois só beija quem se quer bem, a não ser que sejamos alguns “Judas”, usando o beijo como traição e não como vivência de afecto, de proximidade, de ternura, de amizade e de amor.

Aníbal Carvalho

sábado, 19 de abril de 2008

O Amor, Quando Se Revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

(Fernando Pessoa)

Pensamento do Dia - A importância dos amigos

“Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto.”

Francis Bacon

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A insaciedade

Coimbra, 12 de Abril de 1951

No amor é como na morte: a gente pede mais um minuto de vida, convencido que depois renunciará de vez. E mal o minuto nos é concedido, já estamos a pedir outro.
Miguel Torga - Diário

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Liberdade hoje. Um ponto de vista interessante

SÓCRATES E A LIBERDADE,
por António Barreto in "Publico"

EM CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 1974, criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres? Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas. Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta
em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor
foi quase totalmente destruída.
EM TRAÇO GROSSO, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas
culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população
estava no mais baixo.
POR ISSO SINTO INCÓMODO em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A
vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O CATÁLOGO É ENORME. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de
humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
MAS NEM É PRECISO IR LÁ FORA. A vida portuguesa oferece exemplos todos
os dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A vídeovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a
necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência. A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de
instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicação social' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
NÃO SEI SE SÓCRATES É FASCISTA. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
TEMOS DE RECONHECER: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo...

António Barreto \ Público"

quinta-feira, 3 de abril de 2008

A importância de uma língua mesmo minoritária - O Mirandês

CRÓNICAS EM MIRANDÊS
O mirandês é uma língua astur-leonesa, que pertence ao grupo das línguas românicas. Durante séculos foi uma língua de transmissão oral, tendo sido dada a conhecer à comunidade científica e estudada pela primeira vez por José Leite de Vasconcelos, no fim do séc. XIX. Estima-se entre 7 e 10 mil o número actual de falantes, incluindo os que habitam no Concelho de Miranda do Douro, em três aldeias do Concelho de Vimioso e os i/emigrantes. Foi oficialmente reconhecida pela lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República.
Com o objectivo de contribuir para manter viva esta língua, o Centro Nacional de Cultura decidiu destacar semanalmente neste portal as crónicas em mirandês publicadas no jornal Público pelo Dr. Amadeu Ferreira, presidente da Associaçon de Lhéngua Mirandesa.
(Ver Território Mirandês)
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PORQUE SE MUORRE UA LHÉNGUA?
Todo l que ye houmano se muorre. Se nun fur hoije, será manhana. Culas lhénguas las cousas pássan-se de la mesma maneira, i l mirandés nun será eiceçon. Grandes lhénguas cumo l lhatin dórun l lhugar a outras, morrendo-se i, nun cierto sentido, bibindo neilhas i cuntinando a ser ansinado i a ser eissencial al antendimiento de las modernas lhénguas románicas.
Ben todo esto al perpósito de eiqui hai ua ou dues sumanas ls jornales habéren falado dun studo adonde se dezie que l mirandés se staba a morrer, yá que era cada beç menos falado nas famílias i cada beç menos ansinado puls pais als sous filhos. An alguns sítios até se stranhaba cumo esse stado nun era mais falado i se dezie que era cuntraditório l ber-se algun antusiasmo alredror de la lhéngua. Que dezir de todo esso?
Buono, esses studos son neçairos. Era buono ye que se fazíssen outros studos subre cumo resolber. Que l mirandés ten deficuldades yá l dixo José Lheite de Vasconcellos na fin de seclo XIX i António Mourinho a meio de l seclo XX i até deixórun testos screbidos para que un die, quando se morrira, alguien podira saber cumo era. La berdade ye que inda nun se morriu i hoije hai miles i miles de testos an mirandés i outras manifestaçones de la lhéngua. I tamien nun puoden sperar que ándemos a chorar ende pulas squinas ou que déixemos la lhéngua eilha solica, cumo quien diç: nun bal la pena, deixai-la morrer-se an paç. La nuossa atitude ten sido i ha de cuntinar a ser al alrobés.
Ua pessona muorre-se al son de las leis de natureza. Quando ua lhéngua se muorre esse nun depende de leis de la natureza, mas dua decison – de miles deilhas -, de las pessonas que la fálan i de las anstituiçones que ténen la oubrigaçon de la defender. Son coincidos casos de lhénguas que até renacírun de l nada, cumo fui l caso de l heibraico i de l checo.
L mirandés ten aguantado ua guerra de muorte que yá dura hai cientos de anhos, mas subretodo ne ls redadeiros 40 anhos i esso l ten benido a deixar mui andeble. Mas ten bida suberciente para cuntinar se cada un de ls mirandeses quejir: cuntinar a falá-lo an casa, culs filhos, i na quemunidade, cuntinar a screbi-lo i a studá-lo. Ten bida suberciente para que las anstituiçones repunsables fágan tamien aqueilho que ye l sou deber. Quei dezir? L Menistério de la Cultura ten ua buona parte de la faca i de l queiso na mano, mas nada faç i la Senhora Menistra sabe de todo l que ye neçairo fazer; l Menistério de la Eiducaçon parece fazer de cuonta que l ansino de l mirandés stá bien, l que nun ye berdade, deixando-lo na mano de la DREN, que ten de probar que nun stá chena de einemigos de l ansino de l mirandés. Apuis de l stado central, las cámaras i juntas: la cámara de Miranda algo ten feito, mas ten de fazer muito mais ne l que ye eissencial; la cámara de Bumioso manten-se nun bergonhoso siléncio; i las juntas de fraguesie ciento ua faç algue cousa.
I pronto, eiqui queda un resume de repuosta a la pregunta deste testo i ua eideia de cumo la lhéngua mirandesa puode bibir por muitos i muitos anhos. Ye nesso an que acradito i por esso tamien fago.
Amadeu Ferreira
amadeujf@gmail.com
Ver Blog em Mirandês

segunda-feira, 24 de março de 2008

Dignidade

Dia 17 de Fevereiro de 1943.

Passei as horas livres da manhã a ver derrubar um choupo em frente da janela do meu quarto.
Que dignidade, a daquela morte! Enquanto pôde, aguentou as machadadas sem estremecer, aprumado como a pura consciência; quando o gume lhe tocou no cerne, de uma vez só, sem se curvar, caiu.
Miguel Torga (Diário)

segunda-feira, 17 de março de 2008

Abraço, que significado?

Em textos anteriores já exprimi o meu ponto de vista sobre algumas formas de nos relacionarmos com os outros. Se um relacionamento não é coisa fácil, fazê-lo através de afectos poderá parecer mais complicado, pois muitas vezes, interfere com o domínio do nosso inconsciente. Essa complicação resulta apenas da complexidade do ser humano. Todos nós somos pessoas singulares, e apesar de sermos iminentemente sociais, temos uma certa relutância em nos deixarmos tocar e por isso resistimos à proximidade dos outros, sobretudo se com eles não tivermos alguma afinidade mais ou menos profunda. É um pouco como se os outros quisessem entrar na nossa vida e pudessem passar a ter um certo domínio sobre nós, o que à partida poderá não ser uma boa opção. Naturalmente rejeitamos essa possibilidade e essa opção leva-nos à solidão. Lembro-me como foi importante na minha meninice e adolescência conviver com pais, avós, familiares e amigos que me incutiram a sã convivência a partir destes afectos. Isso permitiu-me vencer barreiras e sobretudo não ter medos perante a proximidade dos outros. Eles também podem dar e receber afecto. No entanto, os tempos vão mudando, e os tempos de hoje, são bem diferentes daqueles a que me refiro. Esta sociedade gere muito mal a proximidade e pior ainda gere os afectos. Tenho para mim, que, um abraço é uma forma de criar proximidade, e com isso, poder quebrar barreiras permitindo estabelecer novos diálogos e novas formas de estabelecer relação. Quantas pessoas existem que não têm ninguém que se aproxime delas ou só encontram violência e estigmas negativos perante o seu dia a dia? Há mais solidão encoberta que fome na boca. É que há muita gente com excelentes condições económicas mas não sabe dar um abraço e por isso também não se dispõe a recebê-lo. Ora como não são capazes de o dar até ridicularizam aqueles que o fazem. Estes tipos de comportamentos são cada vez mais frequentes e surgem como divórcios entre os membros da sociedade. O primeiro efeito é a solidão e o egoísmo. Ora isso cria distanciamento e medos, pois nunca sabemos como é que os outros irão reagir. Um abraço sentido e partilhado pode recuperar alguém ou até salvar vidas. Hoje em dia sentimos profundamente esses efeitos, razão pela qual, já existem movimentos que se preocupam com aqueles que não têm ninguém que lhes manifeste esse carinho e ternura. Existe um movimento chamado "Free Hugs Campaign" (Campanha dos Abraços Grátis) que teve início em 2004 através da ideia inicial de Juan Mann’s que propunha que os indivíduos oferecessem abraços em público a estranhos, mostrando cartazes que dizem “Free Hugs”. Se no início tiveram problemas com a polícia, neste momento o movimento já se encontra espalhado por muitas cidades e tem sido um grande sucesso. Vide Youtube e Youtube

Aníbal Carvalho

domingo, 16 de março de 2008

Pensamento do Dia

A minha consciência tem para mim mais peso do que a opinião do mundo inteiro.

Cícero (Escritor Latino)

terça-feira, 4 de março de 2008

Reflexão

O aperto de mão

Desde os tempos mais imemoriais que o género humano tem tido necessidade de se aproximar do seu semelhante. Isso fez com que progressivamente fosse criando hábitos e rituais que dessem significado a esse acto aproximativo. Estas e outras razões, mais ou menos profundas, criaram gestos de proximidade nos quais, mais ou menos implícitos, que manifestavam o carinho e o afecto entre as pessoas.
Estes gestos tornaram-se, pelo menos hoje em dia, mais simbólicos do que autênticos. É que a manifestação do afecto dá origem ao medo e cria distância. Da autenticidade passa-se para o faz de conta, ou fica apenas na aparência tão utilizada pelas gentes dos nossos dias.
Se não acreditam reparem como saúdam e são saudados por aqueles com quem se cruzam. A maior parte das vezes em que se convive, ou seja, os que fazem parte da mesma estrutura profissional, estão lá, vêem-se, mas mal se falam. Um cumprimento verbal é um luxo demasiado caro para deitar fora com um colega Dar um aperto de mão é algo que nos faz tocar no outro, sentir o seu calor e tocar o seu afecto. No entanto há apertos e apertos de mão. Há os que são dados com convicção e querem dizer ao outro; sim, estou contigo e sinto-me contente por te reencontrar. Todavia há outros que entregam a mão ao cumprimento, qual mão morta que mais não faz que esticar de forma flácida e sem energia, como se dissesse ao outro, estou aqui e faço isto mas não tenho a convicção de que é isto que quero fazer. Ora estes procedimentos são mais um faz de conta, pois mostram mas não promovem a energia que se pode transferir, de uns para outros, em sinal da amizade que pretensamente os une.
Eu normalmente sou muito sensível ao cumprimento quer seja uma saudação, tipo bom dia ou boa tarde, até a um aperto de mão ou um abraço mais apertado. Este tipo de gestos tem muito significado e revelam-me a amizade e proximidade que tenho com aquele que pode ser mais ou menos amigo. Estes gestos não são caros nem custam dinheiro. No entanto são gestos que poderão ser queridos e desejados por quem os dá e recebe, sem nada em troca a não ser quebrar gelos e promover a amizade e a proximidade.
Não é por acaso que nalgumas grandes cidades há cidadãos que se apresentam, mesmo anonimamente, disponíveis para quem quiser receber um abraço. É que na solidão dos nossos dias há tanta gente sem qualquer tipo de afecto que se puder receber um abraço gratuito e generoso é capaz de começar a reencontrar um novo sentido para a sua vida.

Aníbal Carvalho

segunda-feira, 3 de março de 2008

Pensamento do Dia

Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que o silêncio.

(Provérbio indiano)

Nova Gestão nas Escolas

Texto brilhante de Santana Castilho

Público, 8 de Janeiro de 2008 (p. 43)
Por que muda a gestão das escolas? Porque sim!

O único critério, o critério oculto, é domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno.
O que Sócrates disse no último debate parlamentar de 2007 não me surpreendeu. Fazia sentido esse fechar de ciclo de genuflexão dos professores. Para analisar o diploma agora posto à discussão pública, vou socorrer-me de dois excertos do discurso com que Sócrates fez o anúncio ao país.
"Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar." Mas Sócrates não explicou porquê. Para suprir a lacuna fui ler o novo diploma, compará-lo com o anterior, e tirei estas conclusões:
1. Os dois diplomas apregoam autonomia mas castram toda e qualquer livre iniciativa das escolas. Nada muda. Apenas se refina o cinismo, na medida em que muito do anteriormente facultativo (o pouco que não estava regulamentado) passa agora a obrigatório. Não há uma só coisa que seja importante na vida da escola que o órgão de gestão possa, autonomamente, decidir. Um e outro são uma ode ao centralismo asfixiante.
2. O novo diploma diminui o peso dos professores da escola nos órgãos de gestão dessa escola. Esclareço a aparente redundância trazida pela insistência no vocábulo "escola" na construção deste parágrafo. É que o novo diploma torna possível que um professor de qualquer escola, mesmo que seja privada, concorra a director de qualquer outra, pública, mediante "um projecto de intervenção na escola". Que estranho conceito de escola daqui emana! Como pode alguém que não viveu numa escola, que não se envolveu com os colegas e com os alunos dessa escola, que não sofreu os seus problemas nem respirou o seu clima, conceber "um projecto de intervenção na escola"? Não é de intervenção que eles falam. É de subjugação! É a filosofia ASAE transposta para as escolas. Não faltarão os comissários, os "boys" e os "laranjas" deste "centralão" imenso em que a oligarquia partidária transformou o país, a apresentar projectos de intervenção "eficazes", puros, esterilizadores de maus hábitos e más memórias. E este é o único critério, o critério oculto que Sócrates não explicitou: domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno, de os funcionalizar com uma avaliação de desempenho própria de amanuenses, de os empobrecer com cotas e congelamentos, de os dividir em castas de vergonha. Tinha razão o homem: "Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar."
"A nossa visão para a gestão das escolas assenta em três objectivos principais. O primeiro é abrir a escola, reforçando a participação das famílias e comunidades na sua direcção estratégica. O segundo objectivo é favorecer a constituição de lideranças fortes nas escolas. O terceiro é reforçar a autonomia das escolas", disse Sócrates na Assembleia da República.
Mas que está por baixo do celofane? A "abertura" é uma falácia. O Conselho Geral, com a participação da comunidade, já existe, com outro nome. Chama-se Assembleia. Porém, os casos em que esta participação teve relevância são raros. E quem está nas escolas sabe que não minto. Ora não é por mudar o nome que mudam os resultados. A participação da comunidade não se decreta. Promove-se. Se as pessoas acreditarem que podem mudar algo, começam a interessar-se. Mas o despotismo insaciável que este Governo trouxe às escolas não favorece qualquer tipo de participação. Para que as pessoas possam participar, há décadas que Maslow deu o tom: têm que ter necessidades básicas resolvidas. Aqui, as necessidades básicas são não terem fome, terem tempo e terem uma cultura mínima.
Ora, senhor primeiro-ministro, o senhor que empobreceu os portugueses (tem dois milhões de pobres e outros dois milhões de assistidos), que tem meio milhão no desemprego, está à espera que acorram à sua "abertura"? Sabe quem vai acorrer? Os ricos que o senhor tem inchado? Não! Esses estão-se borrifando para a Escola Pública. São os oportunistas e os caciques, para quem a sua "abertura" é de facto uma nova oportunidade.
O senhor, que tem promovido uma política de escola-asilo, porque as pessoas não têm tempo para estar com os filhos, acredita que as famílias portuguesas, as mais miseráveis da Europa, têm disponibilidade para a sua abertura? Não! Conte com os pais interessados de uma classe média que o senhor tem vindo a destruir e são, por isso, cada vez em menor número, e com os autarcas empenhados a quem o senhor dá cada vez menos dinheiro. De novo, repito, terá os arrivistas. Julga que é com os diplomas de aviário das novas oportunidades que dá competência à comunidade para participar na gestão das escolas? Não! Os que conseguiram isso começaram há um século a investir no conhecimento da comunidade e escolheram outros métodos. Porque, ao contrário do senhor, sabem que gerir uma escola é diferente de gerir um negócio ou uma rede de influências partidárias.
A sua visão de escola ficou para mim caracterizada quando o ouvi dizer que tinha escolhido a veneranda Universidade Independente por uma razão geográfica e me foi dada a ler a sua prova de Inglês Técnico, prestada por fax. O que politicamente invocou a propósito deste diploma, que agora nos impõe, está muito longe de limpar essa péssima imagem que me deixou. A mim e a muitos portugueses, pese embora serem poucos os que têm a oportunidade ou a independência para o dizer em público. Disse impõe, e disse bem. Porque a discussão pública é outra farsa. O senhor quer que alguém acredite nisto? Depois de ver o conceito que o seu governo tem do que é negociar e os processos que a sua ministra da Educação tem usado para lidar com os professores? Em plenas férias escolares (mais uma vez) lança a discussão de um diploma deste cariz e dá para tal um mês? Acha isso sério? Se o senhor estivesse de facto interessado em discutir, era o primeiro a promover e a dinamizar esse debate, através do Ministério da Educação. Mas o que o senhor tem feito tem sido cercear todas as hipóteses de participação dos professores em qualquer coisa que valha a pena: retirando-lhe todas as vias anteriormente instituídas e afogando-os em papéis ridículos e inúteis.
Dizem, ou disse o senhor, vá lá a gente saber, que cursou um MBA. Não lhe ensinaram lá que as mudanças organizacionais sérias estabelecem com clareza as razões para mudar? Cuidam de expor aos implicados essas razões e dar-lhes a oportunidade para as questionar? Devem assentar numa avaliação criteriosa do que existia e se quer substituir? Quando podem originar convulsões antecipáveis, devem ser precedidas de ensaios e simulações prudentes? Já reparou que terá que constituir mais de 10 mil assembleias a 20 elementos cada? Que tal como a lei está, são escassos os que podem ser adjuntos do director? Que fecha a porta a que novos professores participem nas tarefas de gestão? Que exclui, paradoxalmente, um considerável número de professores titulares? Que, goste dela ou não, existe uma Lei de Bases que torna o que propõe inconstitucional e como tal já foi chumbado pelo Tribunal Constitucional?
Lideranças fortes? Deixe-me rir enquanto não proíbe o riso. O senhor que só quer uma liderança forte, a sua, que até o seu partido secou e silenciou, quer lideranças fortes na escolas? É falso o que digo? Prove-o! Surpreenda uma vez e permita que professores independentes discutam publicamente o deserto em que está a transformar a Escola Pública e para que este diploma é o elo que faltava.

Santana Castilho

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Pensamento do Dia

Não há melhor negócio que a vida.
A gente a obtém em troca de nada.
(Provérbio judaico)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

REFLEXÕES

Palavra de Honra

HONRA


Todos nós, mais ou menos novos/velhos, crescemos a ouvir falar em honra. Isso era tão importante que em momentos de desespero ou de dúvida, e enquanto jovens, dizíamos muitas vezes aos outros que aquilo que afirmávamos era verídico e tinha credibilidade e afirmávamo-lo sob a nossa “palavra de honra”.
Esta honra de que falo, e com a qual mais ou menos todos estamos familiarizados, foi fruto de milhares de anos de construção de consciências ao longo da nossa história filogenética, e continua, ainda hoje, a ser baluarte e bandeira na maneira de ser e de agir de muita gente.
Esta gente de que falo não inclui os políticos, na sua maioria, e muito menos o governo que “democraticamente” nos desgoverna.
Este é um governo com glória mas sem honra. Ora quando esta se perde, perde-se a essência da pessoa humana que é a sua dignidade, a coerência, a verdade e sobretudo a verticalidade de cada um de nós. Ora nada disto se verifica em tal pseudo governo. Para tal governo o que diz agora e daqui a cinco minutos, para não dizer no instante seguinte, já não é o mesmo porque tal já não convém.
Todos aqueles que orientam as suas palavras, já não digo ideias, pois perante essas normalmente somos coerentes ou pelo menos defendemo-las, por este prisma “tipo rapidinha” em que se usa e abusa de opções e acções que apenas dizem e fazem o que lhes parece mais importante para sustentar a sua posição de poder, não são dignos de crédito e de honra. Para a honra não há conveniências mas verdade, para a honra não há “troca tintas” mas coerência, para a honra não há poder mas humildade, para a honra não há necessidade de se socorrer da democracia pois a acção acontece em nome daqueles que os elegeram e não como eles fazem em nome das minorias partidárias e parasitárias que os manipulam, aplaudem, bajulam e sustentam a sua desonra.
Estes tristes, apesar da alegria e o sorriso que sustentam, sabendo as desgraças e o sofrimento que provocam na maioria dos que os elegeram, maquievelicamente continuam a assobiar para o lado como se o mundo dos outros não fosse o seu, e o seu sofrimento, não fosse digno de ser olhado.
Aqui há uns anos atrás Francisco Fanhais cantava uma canção que dizia: “vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar…”. Hoje, mais do que nunca, vemos e sofremos na carne, ouvimos e sofremos na família com alguém que está envolvido, e lemos, mas parece que ninguém vê, ninguém ouve e ninguém lê. Por outras palavras todos sabemos mas ninguém quer saber, desde que não seja consigo. Chegou-se ao cúmulo do egoísmo em que as coisas só valem se nos baterem à porta, de resto não são relevantes nem nos tiram o sono. Onde nós chegámos.
É uma tristeza verificar que mesmo quando se reivindica, sindicalmente ou não, já não há seguidores ou há muito poucos. Que é feito dos valores que suportam a interacção de uns com os outros. Será que estamos todos a dormir? Será que nos anestesiaram? Será que o medo já invadiu o coração da sociedade? O que resta?
Há cerca de 10/12 anos um nobre político referiu que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas. A sociedade evoluiu, e hoje, verificamos que os nossos políticos já nunca se enganam e nunca têm dúvidas. A isto chama-se a ditadura democrática, isto é, fazem-se eleger democraticamente, pedem maiorias e depois de estarem no poder desancam em quem os elegeu. Quem cospe no prato em que comeu não é digno de nada, apenas de censura, pois tirano já é.
Ao olhar para a sociedade de hoje vejo medo. Ninguém fala pois pode ir para a rua. Já foram tantos e tão ilustres, pelo que para sobreviver tem que se calar.
Vivemos em Portugal no século XXI. Quem houvera de dizer.
Temos um governo socialista eleito, mas as célebres reformas de que se vangloria, são contra os mais desprotegidos, os mais pobres e os indefesos. Basta olhar para a saúde, para a educação, para o mercado de trabalho, para o ambiente. Podem-se percorrer todos os ministérios. Queriam dar voz aos que não têm voz mas calaram-nos de vez. Amordaçaram-nos. Excepções feitas ao Manuel Alegre, Ana Gomes ou Helena Roseta. Já não há respeito nem pelo nome que se ostenta. Chamar Sócrates a tal demagogo é fazer morrer de vergonha dez milhões de vezes o verdadeiro Sócrates que defendeu a honra, a virtude, o saber e não se pavoneou à luz da sofística enganadora, perversa, manipuladora, mesquinha, interesseira e sobretudo apelativa à similitude de que "le roi c’est moi”.
Tudo isto é perturbador numa sociedade que quer ser democrática. Hitler também assim começou tal como todos os pequenos e grandes ditadores da história. Basta lê-la e fazer a correspondência e a sua identificação.
Aníbal Carvalho