segunda-feira, 28 de abril de 2008

Liberdade

Entrevista ao Diário de Lisboa (24 de Outubro de 1945)

- Liberdade que é?
- Disciplina, consciência e autolimitação. E que ninguém nos venha com o papão do passado! O que todos querem é novo e limpo de mácula. Temos muito respeito pelos velhos, pela sua honradez, se a possuíram, pelos seus princípios, se os defenderam. Mas somos novos, estamos noutra volta do caminho, e ninguém, em boa consciência, nos deve acusar de pecados que não cometemos. Da mesma maneira que na palavra Mora o tempo vai depositando as suas conquistas, também no termo Democracia a experiência e a consciência tomam corpo. O que era bom em 10, pode ser mau em 40. Queremos do passado o sonho, o devotamento e a acção. Mas vamos juntar-lhe actualidade, técnica, e um conceito mais humano e dialéctico de encarar os problemas. Teremos a nossa ordem, que há-de precisar de pistolas da ordenança, e teremos as nossas realizações. Desejamos coisas simples e possíveis.
- ….E o povo…..
- Esse destino é?..
- O destino de todos os corpos vivos: crescer, multiplicar-se, procurar a felicidade, e deixar no seu caminho uma nítida e aberta marca de compreensão e de amor.

Miguel Torga - Diário

terça-feira, 22 de abril de 2008

A importância do Beijo

O ser humano é, por natureza, um ser eminentemente inter-relacional. Ele não vive só e necessita dos outros para atingir a plenitude da sua dimensão como pessoa humana. Cada um de nós é para os outros e os outros são-no para nós. É nesta interacção que construímos relações mais ou menos profundas, para que, através dessas proximidades, consigamos construir e viver as amizades, os amores, as famílias, as vizinhanças, as profissões e todas as outras relações em que se possam estabelecer comunicações.
Uma das formas de comunicar afectos é através do beijo.
Segundo a definição da Wikipédia, um beijo (do latim basium) é o toque dos lábios com qualquer coisa, normalmente uma pessoa. Na cultura ocidental é considerado um gesto de afeição. Entre amigos é utilizado como cumprimento ou despedida. O beijo nos lábios de outra pessoa é um símbolo de afeição romântica ou de desejo sexual.
Ainda segundo a mesma enciclopédia e outros documentos que abordam o assunto, parece que as primeiras referências ao beijo apareceram há cerca de 4.500 anos nas paredes de alguns templos na Índia. Diz-se que na antiga Mesopotâmia o povo tinha por hábito enviar beijos às divindades. Já mais próximo de nós, e sobretudo através das culturas que nos antecederam, as Greco-latinas, os seus membros guerreiros tinham por hábito utilizar o beijo, entre si, no regresso a casa após os combates.
Se bem que os gregos gostassem de utilizar o beijo nas suas práticas sociais, foram os romanos através das suas viagens expansionistas que o difundiram. Estou em crer que aquilo que hoje utilizamos na cultura ocidental, como cumprimento, se deve àquela difusão.
Os imperadores romanos permitiam que os nobres mais distintos pudessem beijá-los nos lábios. Os restantes nobres só o poderiam fazer nas mãos. Por sua vez a restante população, apenas poderia beijar os pés ao seu imperador.
Nestas formas de relação e comunicação existiam três tipos de beijos: o basium, entre conhecidos; o osculum, entre amigos; e o suavium, ou beijo dos amantes.
Os diferentes tipos de beijo foram evoluindo ao longo dos tempos e ganhando especificidades em quase todos os países. Assim, no nosso país e em quase toda a cultura ocidental, o beijo é uma forma de proximidade e afeição entre aqueles que o utilizam. Por isso, os amigos usam-no frequentemente para se cumprimentarem, ou se despedirem, sobretudo se existir algum tempo a separá-los. Entre os amantes e apaixonados, o beijo é utilizado como forma de demonstrar a sua paixão, expressa de forma mais ou menos arrebatada, por essa via.
É evidente que há outras formas de partilhar o beijo e com outros significados. Ainda há bem pouco tempo o beijo era usado, como por exemplo, em sinal de respeito ou até mesmo de reverência. Era o caso do cumprimento a uma autoridade eclesiástica, monárquica ou até uma distinta senhora.
Na nossa cultura popular existem aspectos muito relevantes em relação a este tipo de afectividade. Em muitas zonas do nosso país existe o ditado popular que diz que, ”quem os nossos filhos beija a nossa boca adoça”. Esta visão é bem reveladora da importância deste tipo de afecto para que as crianças que vão crescendo possam, gradualmente, ir absorvendo a afectividade dos outros humanos. Ora este gesto é muito bem visto e reconhecido pelos adultos através da gratidão e de bem-estar que lhes provoca.
O acto de beijar estabelece uma forma de linguagem muito próxima e expressiva, e utiliza, em simultâneo, três sentidos: o tacto (porque toca), o olfacto (cheira através da proximidade) e o paladar (pelo gosto que lhe poderá estar associado). Estes três sentidos produzem, só por si, uma reacção emocional bastante forte, ora se os juntarmos todos ao mesmo tempo, ela poderá ser explosiva. No entanto o beijo também pode ser fugaz e pouco expressivo. Entre as duas versões situam-se todas as outras que se possam ou queiram utilizar, de acordo com as circunstâncias e as afinidades de cada um.
Já agora, e costuma dizer-se como mera curiosidade que o acto de beijar pode levar à utilização de 29 músculos e provocar no coração batidas que poderão ir até às 150 por minuto. Com tanta emoção que o beijo pode produzir, ele é capaz de levar ao desgaste de 12 calorias de cada vez que é dado. Pois bem, aqui está uma boa metodologia para emagrecer e ao mesmo tempo, com ele podem eliminar-se muitos males, pois só beija quem se quer bem, a não ser que sejamos alguns “Judas”, usando o beijo como traição e não como vivência de afecto, de proximidade, de ternura, de amizade e de amor.

Aníbal Carvalho

sábado, 19 de abril de 2008

O Amor, Quando Se Revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

(Fernando Pessoa)

Pensamento do Dia - A importância dos amigos

“Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto.”

Francis Bacon

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A insaciedade

Coimbra, 12 de Abril de 1951

No amor é como na morte: a gente pede mais um minuto de vida, convencido que depois renunciará de vez. E mal o minuto nos é concedido, já estamos a pedir outro.
Miguel Torga - Diário

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Liberdade hoje. Um ponto de vista interessante

SÓCRATES E A LIBERDADE,
por António Barreto in "Publico"

EM CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 1974, criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres? Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas. Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta
em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor
foi quase totalmente destruída.
EM TRAÇO GROSSO, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas
culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população
estava no mais baixo.
POR ISSO SINTO INCÓMODO em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A
vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O CATÁLOGO É ENORME. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de
humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
MAS NEM É PRECISO IR LÁ FORA. A vida portuguesa oferece exemplos todos
os dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A vídeovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a
necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência. A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de
instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicação social' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
NÃO SEI SE SÓCRATES É FASCISTA. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
TEMOS DE RECONHECER: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo...

António Barreto \ Público"

quinta-feira, 3 de abril de 2008

A importância de uma língua mesmo minoritária - O Mirandês

CRÓNICAS EM MIRANDÊS
O mirandês é uma língua astur-leonesa, que pertence ao grupo das línguas românicas. Durante séculos foi uma língua de transmissão oral, tendo sido dada a conhecer à comunidade científica e estudada pela primeira vez por José Leite de Vasconcelos, no fim do séc. XIX. Estima-se entre 7 e 10 mil o número actual de falantes, incluindo os que habitam no Concelho de Miranda do Douro, em três aldeias do Concelho de Vimioso e os i/emigrantes. Foi oficialmente reconhecida pela lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República.
Com o objectivo de contribuir para manter viva esta língua, o Centro Nacional de Cultura decidiu destacar semanalmente neste portal as crónicas em mirandês publicadas no jornal Público pelo Dr. Amadeu Ferreira, presidente da Associaçon de Lhéngua Mirandesa.
(Ver Território Mirandês)
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PORQUE SE MUORRE UA LHÉNGUA?
Todo l que ye houmano se muorre. Se nun fur hoije, será manhana. Culas lhénguas las cousas pássan-se de la mesma maneira, i l mirandés nun será eiceçon. Grandes lhénguas cumo l lhatin dórun l lhugar a outras, morrendo-se i, nun cierto sentido, bibindo neilhas i cuntinando a ser ansinado i a ser eissencial al antendimiento de las modernas lhénguas románicas.
Ben todo esto al perpósito de eiqui hai ua ou dues sumanas ls jornales habéren falado dun studo adonde se dezie que l mirandés se staba a morrer, yá que era cada beç menos falado nas famílias i cada beç menos ansinado puls pais als sous filhos. An alguns sítios até se stranhaba cumo esse stado nun era mais falado i se dezie que era cuntraditório l ber-se algun antusiasmo alredror de la lhéngua. Que dezir de todo esso?
Buono, esses studos son neçairos. Era buono ye que se fazíssen outros studos subre cumo resolber. Que l mirandés ten deficuldades yá l dixo José Lheite de Vasconcellos na fin de seclo XIX i António Mourinho a meio de l seclo XX i até deixórun testos screbidos para que un die, quando se morrira, alguien podira saber cumo era. La berdade ye que inda nun se morriu i hoije hai miles i miles de testos an mirandés i outras manifestaçones de la lhéngua. I tamien nun puoden sperar que ándemos a chorar ende pulas squinas ou que déixemos la lhéngua eilha solica, cumo quien diç: nun bal la pena, deixai-la morrer-se an paç. La nuossa atitude ten sido i ha de cuntinar a ser al alrobés.
Ua pessona muorre-se al son de las leis de natureza. Quando ua lhéngua se muorre esse nun depende de leis de la natureza, mas dua decison – de miles deilhas -, de las pessonas que la fálan i de las anstituiçones que ténen la oubrigaçon de la defender. Son coincidos casos de lhénguas que até renacírun de l nada, cumo fui l caso de l heibraico i de l checo.
L mirandés ten aguantado ua guerra de muorte que yá dura hai cientos de anhos, mas subretodo ne ls redadeiros 40 anhos i esso l ten benido a deixar mui andeble. Mas ten bida suberciente para cuntinar se cada un de ls mirandeses quejir: cuntinar a falá-lo an casa, culs filhos, i na quemunidade, cuntinar a screbi-lo i a studá-lo. Ten bida suberciente para que las anstituiçones repunsables fágan tamien aqueilho que ye l sou deber. Quei dezir? L Menistério de la Cultura ten ua buona parte de la faca i de l queiso na mano, mas nada faç i la Senhora Menistra sabe de todo l que ye neçairo fazer; l Menistério de la Eiducaçon parece fazer de cuonta que l ansino de l mirandés stá bien, l que nun ye berdade, deixando-lo na mano de la DREN, que ten de probar que nun stá chena de einemigos de l ansino de l mirandés. Apuis de l stado central, las cámaras i juntas: la cámara de Miranda algo ten feito, mas ten de fazer muito mais ne l que ye eissencial; la cámara de Bumioso manten-se nun bergonhoso siléncio; i las juntas de fraguesie ciento ua faç algue cousa.
I pronto, eiqui queda un resume de repuosta a la pregunta deste testo i ua eideia de cumo la lhéngua mirandesa puode bibir por muitos i muitos anhos. Ye nesso an que acradito i por esso tamien fago.
Amadeu Ferreira
amadeujf@gmail.com
Ver Blog em Mirandês