segunda-feira, 24 de março de 2008

Dignidade

Dia 17 de Fevereiro de 1943.

Passei as horas livres da manhã a ver derrubar um choupo em frente da janela do meu quarto.
Que dignidade, a daquela morte! Enquanto pôde, aguentou as machadadas sem estremecer, aprumado como a pura consciência; quando o gume lhe tocou no cerne, de uma vez só, sem se curvar, caiu.
Miguel Torga (Diário)

segunda-feira, 17 de março de 2008

Abraço, que significado?

Em textos anteriores já exprimi o meu ponto de vista sobre algumas formas de nos relacionarmos com os outros. Se um relacionamento não é coisa fácil, fazê-lo através de afectos poderá parecer mais complicado, pois muitas vezes, interfere com o domínio do nosso inconsciente. Essa complicação resulta apenas da complexidade do ser humano. Todos nós somos pessoas singulares, e apesar de sermos iminentemente sociais, temos uma certa relutância em nos deixarmos tocar e por isso resistimos à proximidade dos outros, sobretudo se com eles não tivermos alguma afinidade mais ou menos profunda. É um pouco como se os outros quisessem entrar na nossa vida e pudessem passar a ter um certo domínio sobre nós, o que à partida poderá não ser uma boa opção. Naturalmente rejeitamos essa possibilidade e essa opção leva-nos à solidão. Lembro-me como foi importante na minha meninice e adolescência conviver com pais, avós, familiares e amigos que me incutiram a sã convivência a partir destes afectos. Isso permitiu-me vencer barreiras e sobretudo não ter medos perante a proximidade dos outros. Eles também podem dar e receber afecto. No entanto, os tempos vão mudando, e os tempos de hoje, são bem diferentes daqueles a que me refiro. Esta sociedade gere muito mal a proximidade e pior ainda gere os afectos. Tenho para mim, que, um abraço é uma forma de criar proximidade, e com isso, poder quebrar barreiras permitindo estabelecer novos diálogos e novas formas de estabelecer relação. Quantas pessoas existem que não têm ninguém que se aproxime delas ou só encontram violência e estigmas negativos perante o seu dia a dia? Há mais solidão encoberta que fome na boca. É que há muita gente com excelentes condições económicas mas não sabe dar um abraço e por isso também não se dispõe a recebê-lo. Ora como não são capazes de o dar até ridicularizam aqueles que o fazem. Estes tipos de comportamentos são cada vez mais frequentes e surgem como divórcios entre os membros da sociedade. O primeiro efeito é a solidão e o egoísmo. Ora isso cria distanciamento e medos, pois nunca sabemos como é que os outros irão reagir. Um abraço sentido e partilhado pode recuperar alguém ou até salvar vidas. Hoje em dia sentimos profundamente esses efeitos, razão pela qual, já existem movimentos que se preocupam com aqueles que não têm ninguém que lhes manifeste esse carinho e ternura. Existe um movimento chamado "Free Hugs Campaign" (Campanha dos Abraços Grátis) que teve início em 2004 através da ideia inicial de Juan Mann’s que propunha que os indivíduos oferecessem abraços em público a estranhos, mostrando cartazes que dizem “Free Hugs”. Se no início tiveram problemas com a polícia, neste momento o movimento já se encontra espalhado por muitas cidades e tem sido um grande sucesso. Vide Youtube e Youtube

Aníbal Carvalho

domingo, 16 de março de 2008

Pensamento do Dia

A minha consciência tem para mim mais peso do que a opinião do mundo inteiro.

Cícero (Escritor Latino)

terça-feira, 4 de março de 2008

Reflexão

O aperto de mão

Desde os tempos mais imemoriais que o género humano tem tido necessidade de se aproximar do seu semelhante. Isso fez com que progressivamente fosse criando hábitos e rituais que dessem significado a esse acto aproximativo. Estas e outras razões, mais ou menos profundas, criaram gestos de proximidade nos quais, mais ou menos implícitos, que manifestavam o carinho e o afecto entre as pessoas.
Estes gestos tornaram-se, pelo menos hoje em dia, mais simbólicos do que autênticos. É que a manifestação do afecto dá origem ao medo e cria distância. Da autenticidade passa-se para o faz de conta, ou fica apenas na aparência tão utilizada pelas gentes dos nossos dias.
Se não acreditam reparem como saúdam e são saudados por aqueles com quem se cruzam. A maior parte das vezes em que se convive, ou seja, os que fazem parte da mesma estrutura profissional, estão lá, vêem-se, mas mal se falam. Um cumprimento verbal é um luxo demasiado caro para deitar fora com um colega Dar um aperto de mão é algo que nos faz tocar no outro, sentir o seu calor e tocar o seu afecto. No entanto há apertos e apertos de mão. Há os que são dados com convicção e querem dizer ao outro; sim, estou contigo e sinto-me contente por te reencontrar. Todavia há outros que entregam a mão ao cumprimento, qual mão morta que mais não faz que esticar de forma flácida e sem energia, como se dissesse ao outro, estou aqui e faço isto mas não tenho a convicção de que é isto que quero fazer. Ora estes procedimentos são mais um faz de conta, pois mostram mas não promovem a energia que se pode transferir, de uns para outros, em sinal da amizade que pretensamente os une.
Eu normalmente sou muito sensível ao cumprimento quer seja uma saudação, tipo bom dia ou boa tarde, até a um aperto de mão ou um abraço mais apertado. Este tipo de gestos tem muito significado e revelam-me a amizade e proximidade que tenho com aquele que pode ser mais ou menos amigo. Estes gestos não são caros nem custam dinheiro. No entanto são gestos que poderão ser queridos e desejados por quem os dá e recebe, sem nada em troca a não ser quebrar gelos e promover a amizade e a proximidade.
Não é por acaso que nalgumas grandes cidades há cidadãos que se apresentam, mesmo anonimamente, disponíveis para quem quiser receber um abraço. É que na solidão dos nossos dias há tanta gente sem qualquer tipo de afecto que se puder receber um abraço gratuito e generoso é capaz de começar a reencontrar um novo sentido para a sua vida.

Aníbal Carvalho

segunda-feira, 3 de março de 2008

Pensamento do Dia

Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que o silêncio.

(Provérbio indiano)

Nova Gestão nas Escolas

Texto brilhante de Santana Castilho

Público, 8 de Janeiro de 2008 (p. 43)
Por que muda a gestão das escolas? Porque sim!

O único critério, o critério oculto, é domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno.
O que Sócrates disse no último debate parlamentar de 2007 não me surpreendeu. Fazia sentido esse fechar de ciclo de genuflexão dos professores. Para analisar o diploma agora posto à discussão pública, vou socorrer-me de dois excertos do discurso com que Sócrates fez o anúncio ao país.
"Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar." Mas Sócrates não explicou porquê. Para suprir a lacuna fui ler o novo diploma, compará-lo com o anterior, e tirei estas conclusões:
1. Os dois diplomas apregoam autonomia mas castram toda e qualquer livre iniciativa das escolas. Nada muda. Apenas se refina o cinismo, na medida em que muito do anteriormente facultativo (o pouco que não estava regulamentado) passa agora a obrigatório. Não há uma só coisa que seja importante na vida da escola que o órgão de gestão possa, autonomamente, decidir. Um e outro são uma ode ao centralismo asfixiante.
2. O novo diploma diminui o peso dos professores da escola nos órgãos de gestão dessa escola. Esclareço a aparente redundância trazida pela insistência no vocábulo "escola" na construção deste parágrafo. É que o novo diploma torna possível que um professor de qualquer escola, mesmo que seja privada, concorra a director de qualquer outra, pública, mediante "um projecto de intervenção na escola". Que estranho conceito de escola daqui emana! Como pode alguém que não viveu numa escola, que não se envolveu com os colegas e com os alunos dessa escola, que não sofreu os seus problemas nem respirou o seu clima, conceber "um projecto de intervenção na escola"? Não é de intervenção que eles falam. É de subjugação! É a filosofia ASAE transposta para as escolas. Não faltarão os comissários, os "boys" e os "laranjas" deste "centralão" imenso em que a oligarquia partidária transformou o país, a apresentar projectos de intervenção "eficazes", puros, esterilizadores de maus hábitos e más memórias. E este é o único critério, o critério oculto que Sócrates não explicitou: domar o que resta, depois de vexar os professores com um estatuto indigno, de os funcionalizar com uma avaliação de desempenho própria de amanuenses, de os empobrecer com cotas e congelamentos, de os dividir em castas de vergonha. Tinha razão o homem: "Chegou agora o momento de avançar com a alteração da lei de autonomia, gestão e administração escolar."
"A nossa visão para a gestão das escolas assenta em três objectivos principais. O primeiro é abrir a escola, reforçando a participação das famílias e comunidades na sua direcção estratégica. O segundo objectivo é favorecer a constituição de lideranças fortes nas escolas. O terceiro é reforçar a autonomia das escolas", disse Sócrates na Assembleia da República.
Mas que está por baixo do celofane? A "abertura" é uma falácia. O Conselho Geral, com a participação da comunidade, já existe, com outro nome. Chama-se Assembleia. Porém, os casos em que esta participação teve relevância são raros. E quem está nas escolas sabe que não minto. Ora não é por mudar o nome que mudam os resultados. A participação da comunidade não se decreta. Promove-se. Se as pessoas acreditarem que podem mudar algo, começam a interessar-se. Mas o despotismo insaciável que este Governo trouxe às escolas não favorece qualquer tipo de participação. Para que as pessoas possam participar, há décadas que Maslow deu o tom: têm que ter necessidades básicas resolvidas. Aqui, as necessidades básicas são não terem fome, terem tempo e terem uma cultura mínima.
Ora, senhor primeiro-ministro, o senhor que empobreceu os portugueses (tem dois milhões de pobres e outros dois milhões de assistidos), que tem meio milhão no desemprego, está à espera que acorram à sua "abertura"? Sabe quem vai acorrer? Os ricos que o senhor tem inchado? Não! Esses estão-se borrifando para a Escola Pública. São os oportunistas e os caciques, para quem a sua "abertura" é de facto uma nova oportunidade.
O senhor, que tem promovido uma política de escola-asilo, porque as pessoas não têm tempo para estar com os filhos, acredita que as famílias portuguesas, as mais miseráveis da Europa, têm disponibilidade para a sua abertura? Não! Conte com os pais interessados de uma classe média que o senhor tem vindo a destruir e são, por isso, cada vez em menor número, e com os autarcas empenhados a quem o senhor dá cada vez menos dinheiro. De novo, repito, terá os arrivistas. Julga que é com os diplomas de aviário das novas oportunidades que dá competência à comunidade para participar na gestão das escolas? Não! Os que conseguiram isso começaram há um século a investir no conhecimento da comunidade e escolheram outros métodos. Porque, ao contrário do senhor, sabem que gerir uma escola é diferente de gerir um negócio ou uma rede de influências partidárias.
A sua visão de escola ficou para mim caracterizada quando o ouvi dizer que tinha escolhido a veneranda Universidade Independente por uma razão geográfica e me foi dada a ler a sua prova de Inglês Técnico, prestada por fax. O que politicamente invocou a propósito deste diploma, que agora nos impõe, está muito longe de limpar essa péssima imagem que me deixou. A mim e a muitos portugueses, pese embora serem poucos os que têm a oportunidade ou a independência para o dizer em público. Disse impõe, e disse bem. Porque a discussão pública é outra farsa. O senhor quer que alguém acredite nisto? Depois de ver o conceito que o seu governo tem do que é negociar e os processos que a sua ministra da Educação tem usado para lidar com os professores? Em plenas férias escolares (mais uma vez) lança a discussão de um diploma deste cariz e dá para tal um mês? Acha isso sério? Se o senhor estivesse de facto interessado em discutir, era o primeiro a promover e a dinamizar esse debate, através do Ministério da Educação. Mas o que o senhor tem feito tem sido cercear todas as hipóteses de participação dos professores em qualquer coisa que valha a pena: retirando-lhe todas as vias anteriormente instituídas e afogando-os em papéis ridículos e inúteis.
Dizem, ou disse o senhor, vá lá a gente saber, que cursou um MBA. Não lhe ensinaram lá que as mudanças organizacionais sérias estabelecem com clareza as razões para mudar? Cuidam de expor aos implicados essas razões e dar-lhes a oportunidade para as questionar? Devem assentar numa avaliação criteriosa do que existia e se quer substituir? Quando podem originar convulsões antecipáveis, devem ser precedidas de ensaios e simulações prudentes? Já reparou que terá que constituir mais de 10 mil assembleias a 20 elementos cada? Que tal como a lei está, são escassos os que podem ser adjuntos do director? Que fecha a porta a que novos professores participem nas tarefas de gestão? Que exclui, paradoxalmente, um considerável número de professores titulares? Que, goste dela ou não, existe uma Lei de Bases que torna o que propõe inconstitucional e como tal já foi chumbado pelo Tribunal Constitucional?
Lideranças fortes? Deixe-me rir enquanto não proíbe o riso. O senhor que só quer uma liderança forte, a sua, que até o seu partido secou e silenciou, quer lideranças fortes na escolas? É falso o que digo? Prove-o! Surpreenda uma vez e permita que professores independentes discutam publicamente o deserto em que está a transformar a Escola Pública e para que este diploma é o elo que faltava.

Santana Castilho