quinta-feira, 24 de junho de 2010

Ser idoso e ser desprezado

Cada vez mais a nossa sociedade utiliza a técnica dos “descartáveis” que é, compra, usa e deita fora. Este processo também se aplica muitas vezes em relação às pessoas menos capazes ou até aquelas que sendo capazes são consideradas “velhas”.
A comprovar tudo isso vem este texto escrito com e alma e com coragem, por uma senhora idosa mas que revela a plenitude da sua vida.
É para promover o respeito e a dignidade dos mais velhos que coloco aqui o grito e o apelo desta senhora.
Esta senhora idosa morreu numa clínica da Escócia e todos pensavam que ela nada tinha deixado. No entanto, algumas enfermeiras encontraram junto dos seus poucos haveres um pequeno poema.
Este poema foi levado para a Irlanda e aí publicado na edição de Natal da notícia da União para a Saúde Mental na Irlanda do Norte.
Aníbal Carvalho


“Que vêem amigas? Que vêem ?
Que pensam quando me olham?
Uma velha rabugenta não muito inteligente
de hábitos incertos, com seus olhos sonhadores fixos ao longe?
A velha que cospe comida, que não responde
ao tentar ser convencida... “De, fazer um pequeno esforço?"
A velha, que vocês acreditam que não se dá conta
das coisas que vocês fazem e que continuamente
perde a sua escova ou o sapato ?
A velha, que contra sua vontade, mas humildemente lhes permite
a fazer o que queiram,que me banhem e me alimentem
só para o dia passar mais depressa....
É isso que vocês acham?É isso que vocês vêem?
Se assim for, abram os olhos, amigas, porque
isso que vocês vêem não sou eu!
Vou-lhes dizer quem sou, quando estou sentada aqui,
tão tranquila como me ordenaram...
Sou uma menina de 10 anos, que tem pai e mãe,
irmãos e irmãs que se amam.
Sou uma jovenzinha de 16 anos. Com asas nos pés,
e que sonha encontrar seu amado.
Sou uma noiva aos 20,
Que o coração salta nas lembranças,
Quando fiz a promessa
Que me uniu até o fim de meus dias com o AMOR de minha vida.
Sou ainda uma moça com 25 anos,
Que tem seus filhos,
Que precisam que eu os guie...
Tenho um lugar seguro e feliz !
Sou a mulher com 30 anos.
Onde os filhos crescem rápido,
E estamos unidos com laços que deveriam durar para sempre...
Quando tenho 40 anos
Meus filhos já cresceram
E não estão em casa...
Mas ao meu lado está meu marido
Que me acalenta quando estou triste.
Aos cinquenta, mais uma vez comigo deixam os bebés,
meus netos,e de novo tenho a alegria das crianças,
meus entes queridos junto a mim.
Aos 60 anos,
sobre mim nuvens escuras aparecem, meu marido está morto;
e quando olho o meu futuro arrepio-me toda de terror.
Os meus filhos foram-se, e agora têm os seus próprios filhos...
Então penso em tudo o que aconteceu e no amor que conheci.
Agora sou uma velha.
Que cruel é a natureza....
A velhice é uma piada
Que transforma um ser humano
Num alienado.
O corpo murcha
Os atractivos e a força desaparecem
Ali, onde uma vez houve um coração
Agora há uma pedra.

No entanto, nestas ruínas, a menina de 16 anos ainda está viva.
E o meu coração cansado, ainda está repleto de sentimentos
Vivos e conhecidos
Recordo os dias felizes e tristes
Nos meus pensamentos volto a amar e a viver o meu passado.
Penso em todos esses anos
Que foram, ao mesmo tempo poucos
Mas que passaram muito rápido,
E aceito o inevitável..
Que nada pode durar para sempre...por isso, abram os vossos olhos e vejam
Que diante de vocês não está uma velha mal-humorada.
Diante de vocês estou apenas “EU...”
Uma menina, mulher e senhora
Viva...!! E com todos os sentimentos de uma vida...
Lembrem-se deste poema da próxima vez que se encontrar com uma pessoa idosa mal-humorada e não a rejeitem,
Sem olhar primeiro a sua Alma Jovem…”

Mais tarde ou mais cedo qualquer um de nós também vai poder estar neste lugar, por isso não menospreze essa possibilidade.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Os cristãos e a crise de valores

Habitualmente queixamo-nos que a sociedade em geral é contrária aos valores fundamentais da fé cristã. Mas podemos nos perguntar-nos. Como cristãos que temos feito nós para inverter essa tendência?
O Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa numa conferência das Jornadas Pastorais da CEP, enviou uma mensagem muito importante para todos os católicos comprometidos com a Igreja e com a sociedade.
Não podemos ficar indiferentes nem permanecermos amorfos perante as necessidades da sociedade. Temos de ser "sal" e "luz" para o mundo de hoje. Para que isso seja mais fácil reproduzo aqui a sua mensagem integral.
Aníbal Carvalho

"Introdução1.- A obrigação de estar atento aos “sinais dos tempos” para intuir os caminhos da missão, em cada tempo e circunstância concretos, é dos maiores desafios pastorais do Concílio Vaticano II, o que melhor define a maneira de conceber a presença da Igreja na sociedade e a sua missão de salvação.
Logo no início, o Concílio rejeitou um texto condenatório dos erros da sociedade contemporânea. O Concílio não se reunia para condenar, mas para anunciar a salvação. A verdade da Igreja na sociedade é a de enviada a anunciar a salvação, o que supõe que a Igreja participa do ardor e do amor salvífico de Jesus Cristo por uma humanidade em processo de salvação. Só amando o mundo se podem captar os sinais que a realidade emite, para que a Igreja intua caminhos concretos de missão. A Gaudium et Spes é a Constituição Pastoral que exprime esta perspectiva que inspirou todo o Concílio. A começar, afirma: “O Concílio, testemunha e guia da fé de todo o Povo de Deus, reunido por Cristo, não poderia dar uma prova mais eloquente de solidariedade, de respeito e de amor ao conjunto da família humana, a que este Povo pertence, que fazer prova de diálogo com ela sobre os diferentes problemas, iluminando-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do género humano o poder salvífico que a Igreja, conduzida pelo Espírito, recebe do seu Fundador” (1). E acrescenta: “para levar a bom termo esta tarefa, a Igreja tem o dever, em cada momento, de perscrutar os sinais dos tempos e de os interpretar à luz do Evangelho” (2).
E no capítulo sobre a dignidade da vocação humana, insiste: “Movido pela fé, sabendo-se conduzido pelo Espírito do Senhor que enche o Universo, o Povo de Deus esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e nos anseios do nosso tempo, de que participa com todos os outros homens, quais são os verdadeiros sinais da presença ou desígnio de Deus” (3).

2.- Não é um convite à simples análise sociológica, mas à intuição profética. O verbo escolhido é importante: trata-se de “perscrutar”, o que lembra a atitude dos profetas que estavam à espreita, para perceber nos acontecimentos o modo e a circunstância do seu anúncio. Só da fé e do amor salvífico de Deus pode brotar essa “intuição”, esse “perscrutar” dos sinais, que indicam portas abertas ao anúncio da salvação e do desígnio de Deus para a humanidade. “A fé esclarece todas as coisas com uma luz nova” (4), uma fé que nos revela o amor salvífico de Deus pela humanidade, e a certeza que nunca a abandona através da acção do Espírito que enche toda a terra. Perceber a sua missão de natureza visível com esta acção invisível do Espírito em toda a humanidade, é desafio contínuo, dirigido à Igreja.

“Sinais dos tempos” e nova Evangelização
3.- Há uma convergência entre este dever da Igreja de “perscrutar”, na realidade do mundo, os “sinais” do Reino de Deus, e o desafio lançado por João Paulo II de uma “nova evangelização”, aliás presente na Evangeli Nuntiandi de Paulo VI. O que a distingue da simples re-evangelização, é um novo ardor que nos ajudará a descobrir os “novos métodos”, isto é, um modo novo de anunciar. Este novo ardor é o do amor salvífico, da paixão amorosa pela salvação do mundo. Sem amar o mundo com este amor ardente, não haverá “nova evangelização”, e esse amor é participação no amor infinito de Jesus Cristo, que oferece continuamente a sua vida pelo Povo que redimiu e pelo mundo que ama.

Uma nova atitude perante a sociedade
4.- Este é um ponto prévio para uma leitura actual dos “sinais dos tempos”: olhar o mundo com amor e com esperança. Podemos cair, facilmente de mais, na atitude de condenação da sociedade actual. Mas é possível amar o mundo sem concordar com o mundo. O anúncio cristão pode, por vezes, ser uma denúncia, embora deva ser, sobretudo, anúncio. Mas se começa pela denúncia, corre o risco de nunca ser anúncio.
Este olhar construtivo sobre a sociedade, por parte da Igreja, tem como fundamento duas dimensões: a certeza da fé que Deus ama o mundo e que o Espírito Santo está em acção, levando muitos homens e mulheres a buscarem a rectidão de consciência, a lutarem pela justiça e pela defesa da dignidade do homem, a procurarem para a sociedade caminhos de dignidade, de generosidade e de solidariedade; e que os valores explicitamente enunciados na doutrina da Igreja não são apenas afirmados, mas vividos e postos em prática na luta por uma sociedade renovada. O Santo Padre deixou-nos essa mensagem: “De uma visão sábia sobre a vida e sobre o mundo deriva o ordenamento justo da sociedade. Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido, à qual se entrega a própria liberdade”(5). Mas adverte-nos: “Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos, exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio” (6).
Esta atitude aberta e dialogante é afirmada por Bento XVI ainda no avião a caminho de Lisboa, falando da dialéctica entre secularismo e fé: “A dialéctica entre secularismo e fé tem uma longa história em Portugal. Já no século XVIII há uma forte presença do Iluminismo. Basta pensar no nome Pombal. Assim, vemos que Portugal viveu sempre, nesses séculos, na dialéctica que, naturalmente hoje, se radicalizou e se mostra com todos os sinais do espírito europeu de hoje. Este parece-me um desafio e uma grande possibilidade. Nesses séculos de dialéctica entre Iluminismo, secularismo e fé, nunca faltaram pessoas que quiseram estabelecer pontes e criar um diálogo, ainda que, infelizmente, a tendência dominante foi a da contraposição e da exclusão de um e de outro. Hoje, vemos que justamente esta dialéctica é uma chance; que devemos encontrar uma síntese e um diálogo profundo e de vanguarda” (7).
Esta atitude dialogante da Igreja perante a sociedade real, com os seus valores e os seus desvios, não pode significar uma cedência. Em todas as circunstâncias, a Igreja deve anunciar a perspectiva evangélica, os próprios atropelos à verdade, à justiça, e à dignidade do homem são ocasião desse anúncio, antes, exigem esse anúncio, que não pode ser apenas denúncia negativa, mas afirmação do nosso empenho no progresso da humanidade. Se nos limitarmos à denúncia a nossa voz pode ser facilmente interpretada como mera tomada de posição política e ser vítima de fundamentalismos. E estes, sejam de matriz religiosa ou ideológica, acabam sempre por roçar a intervenção política na defesa de posições pessoais ou grupais, isolando a verdade que defendem da verdade fundamental que é o amor salvífico de Deus. Esquecem facilmente que por detrás de um erro, se podem abrir portas a outras dimensões da verdade.

Novas formas de intervenção da Igreja na sociedade
5.- Frente à actual realidade da sociedade portuguesa, ouso ter um pressentimento: é preciso encontrar formas novas de intervenção da Igreja na sociedade. A Igreja faz parte integrante do todo da sociedade e dada a qualidade da sua mensagem e o número dos seus membros, não pode deixar de procurar formas sempre novas para contribuir para o bem da comunidade humana em que está integrada.
Estamos a cair na situação anacrónica que qualquer intervenção da Igreja, de modo particular da hierarquia, em dimensões fundamentais como o são uma sã antropologia ou a defesa de valores éticos é facilmente julgada como intervenção na esfera do estritamente político, esquecendo que o domínio político é todo o interesse pelo bem da “polis”. É preciso valorizar a Igreja como o conjunto dos fiéis, a comunidade crente, e não a identificar só com a hierarquia. Esta, por decisão própria e em defesa do carácter específico do seu ministério, abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito do estritamente político. Mas os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos. Aliás, pressinto que virá dos leigos a energia para esta renovação da intervenção da Igreja na sociedade. O Santo Padre, dirigindo-se aos Bispos, sublinha a importância decisiva de um “laicado maduro”: “Os tempos que vivemos exigem um novo vigor missionário dos cristãos chamados a formar um laicado maduro, identificado com a Igreja, solidário com a complexa transformação do mundo. Há necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos, onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo: políticos, intelectuais, profissionais da comunicação que professam e promovem uma proposta mono-cultural com menosprezo pela dimensão religiosa e contemplativa da vida. Em tais âmbitos, não faltam crentes envergonhados que dão as mãos ao secularismo, construtor de barreiras à inspiração cristã”(8).
A intervenção profética da Igreja na sociedade contemporânea tem de privilegiar a proclamação de uma correcta antropologia, levando à descoberta do mistério do homem, de que decorre a defesa ética dos princípios da convivência humana, em ordem à construção duma sociedade fraterna. Este desafio antropológico esteve fortemente presente na palavra do Papa entre nós. Referindo-se à contribuição da Igreja no “ordenamento justo da sociedade”, explicita: “Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza a essencial consideração do sentido humano da vida” (9). Esta sã antropologia tem de integrar a dimensão transcendente da vida humana, “integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna, desse modo, comunicáveis as culturas humanas”(10).
Só desta compreensão do homem e da sua transcendência brota uma ética da convivência para a construção da sociedade. A exigência ética envolve toda a existência humana, pessoal e comunitária, a vida e o amor, o trabalho e a economia.
Aprofundar o conhecimento do mistério e da dignidade do homem, donde decorre uma visão ética da vida, supõe um esforço acrescido de formação do laicado. A doutrina social da Igreja continua a ser a grande desconhecida. Só esse aprofundamento cultural formará a consciência dos cristãos sobre todas as dimensões da vida humana, pessoal e comunitariamente considerada. É impressionante verificar a pouca importância que a dimensão ética tem nas escolhas políticas. E no entanto, em democracia participativa, o voto deveria ser sempre a escolha de uma consciência bem formada e esclarecida. A Igreja deve lutar por isso, o que não significa o imiscuir-se no estritamente político. Esse esforço de formação será uma luta pela liberdade.

Atenção a quantos buscam o sentido da vida6.- O texto da Gaudium et Spes, já citado, refere como contexto do dever de discernir os “sinais dos tempos” a necessidade de a Igreja responder “de forma adaptada a cada geração, sobre as questões eternas dos homens acerca do sentido da vida presente e futura e das suas relações recíprocas” (11).
Esta busca do sentido é, hoje, a maior expressão da densidade da existência humana, diria mesmo, do drama humano. O que é a vida, o que é o amor, que sentido tem o sofrimento? As mutações sociais, que não é possível referir aqui, adensaram este drama do sentido, relativizaram as respostas adquiridas e transmitidas, lançaram dúvidas sobre a porta a que se deve bater para encontrar uma resposta. Encontro um pequeno eco desta inquietação nas muitas mensagens que me são dirigidas, procurando uma resposta, exigindo que a Igreja seja uma resposta.
Ler os “sinais” para que a Igreja seja a resposta adaptada a cada geração. Sinto que muitos já não procuram, espontaneamente, a resposta da Igreja, na sua acção institucional. Será que as nossas estruturas de acolhimento estão preparadas para essa resposta, adaptada à geração presente? Apesar de tantos “pastores” e de a acção da Igreja dever ser toda pastoral, esta multidão, como no tempo de Jesus, continua a parecer “um rebanho sem pastor”.
O texto do Concílio fala, depois, das questões eternas do sentido da vida presente e futura e das suas relações mútuas. É preocupante a evolução na nossa sociedade e mesmo entre os cristãos, sobre a fé na vida eterna. Muitos já não acreditam nela e mesmo os que não a excluem não fazem dela o objectivo mobilizador da esperança e não fazem a relação dessa esperança com o sentido da vida presente. Ouçamos, mais uma vez, a palavra do Papa entre nós. Falando aos sacerdotes e consagrados, disse-lhes: “Na acção apostólica e na missão, tendeis para a Jerusalém Celeste, antecipais a Igreja escatológica, firme na posse e contemplação amorosa de Deus-Amor. Como é grande, hoje, a necessidade deste testemunho! Muitos dos nossos irmãos vivem como se não houvesse um Além, sem se importar com a própria salvação eterna. Os homens são chamados a aderir ao conhecimento e ao amor de Deus, e a Igreja tem a missão de os ajudar nesta vocação. Bem sabemos que Deus é senhor dos seus dons; e a conversão dos homens é graça. Mas somos responsáveis pelo anúncio da fé, da totalidade da fé, e das suas exigências” (12).
Neste aspecto, ler os “sinais” é ter a coragem de rever a qualidade e o ritmo da formação cristã no seu todo, desde a catequese à pregação.
Nas respostas a dar a esta busca do sentido, adaptadas a cada geração, sou particularmente sensível ao universo juvenil. No seu todo eles buscam respostas, sem sequer rejeitar aprioristicamente a resposta de Jesus Cristo, mas não a encontram nas respostas da Igreja, ou porque nem sequer a escutam ou porque não a compreendem. É preciso dar-lha de forma que a compreendam e lhes toque o coração. O Papa falou-lhes e comoveu muitos: “Jovens amigos, Cristo está sempre connosco e caminha sempre com a sua Igreja, acompanha-a e guarda-a, como Ele nos disse: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Nunca duvideis da sua presença! Procurai sempre o Senhor Jesus, crescei na amizade com Ele, comungai-O. Aprendei a ouvir e a conhecer a sua palavra e também a reconhecê-l’O nos pobres. Vivei a vossa vida com alegria e entusiasmo, certos da sua presença e da sua amizade gratuita, generosa, fiel até à morte de cruz. Testemunhai a alegria desta sua presença forte e suave a todos, a começar pelos da vossa idade. Dizei-lhes que é belo ser amigo de Jesus e que vale a pena segui-l’O. Com o vosso entusiasmo, mostrai que, entre tantos modos de viver que hoje o mundo parece oferecer-nos – todos aparentemente do mesmo nível –, só seguindo Jesus é que se encontra o verdadeiro sentido da vida e, consequentemente, a alegria verdadeira e duradoura” (13). Ler os “sinais” é aceitar o desafio de rever profundamente a nossa pastoral juvenil.

Atenção amorosa ao sofrimento dos nossos irmãos7.- No texto da Gaudium et Spes, ler os “sinais” faz-se numa atenção privilegiada ao sofrimento humano, aos aspectos por vezes dramáticos da vida de tantos homens e mulheres do nosso tempo. É assim que começa a Constituição Pastoral: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens deste tempo, sobretudo dos pobres e daqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (14).
A cultura contemporânea tende a mitigar ou mesmo a esconder estas angústias e tristezas, porque se criou o paradigma de uma organização social que tudo resolve. A Igreja deve ser a aliada natural de quem sofre, a doença, a pobreza, a solidão, não apenas para os servir mas para aprender com eles o que significa o “Evangelho anunciado aos pobres”.
A resposta social da Igreja é, como sabemos, volumosa e estruturada. Não é agora o momento de a analisar. Quero apenas referir dois desafios que nos deixou o Santo Padre: a prática da compaixão e a análise das nossas instituições sociais, em busca da sua especificidade e autenticidade evangélica. Aconselha-nos a ter a atitude do bom samaritano. Há um modo próprio de os cristãos se abeirarem do sofrimento dos irmãos: ter “um coração que vê”, um coração que vê onde há necessidade de amor e age em consequência (15). A pastoral da caridade é uma pastoral de proximidade, de vizinhança. É perante a circunstância concreta de uma pessoa que tem nome, que o coração do cristão se comove.
As nossas estruturas, dando relevo aos aspectos organizativos e de competência técnica, podem ofuscar este “coração que vê”. O Santo Padre alertou-nos para isso: “Muitas vezes, porém, não é fácil conseguir uma síntese satisfatória da vida espiritual com a acção apostólica. A pressão exercida pela cultura dominante, que apresenta com insistência um estilo de vida fundado sobre a lei do mais forte, sobre o lucro fácil e fascinante, acaba por influir sobre o nosso modo de pensar os nossos projectos e as perspectivas do nosso serviço, com o risco de esvaziá-los da motivação da fé e da esperança cristã que os tinha suscitado. Os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade impelem-nos a buscar soluções que estejam na lógica da eficácia, do efeito visível e da publicidade. E todavia a referida síntese é absolutamente necessária para poderdes, amados irmãos, servir Cristo na humanidade que vos espera. Neste mundo dividido, impõe-se a todos uma profunda e autêntica unidade de coração, de espírito e de acção” (16).
E o Papa não hesita em pedir-nos que façamos uma profunda reflexão sobre as nossas instituições, que pretendem ser a expressão da caridade da Igreja: “No meio de tantas instituições sociais que servem o bem comum, próximas de populações carenciadas, contam-se as da Igreja Católica. Importa que seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dos seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios. A firmeza da identidade das instituições é um serviço real, com grandes vantagens para os que dele beneficiam. Passo fundamental, além da identidade e unido a ela, é conceder à actividade caritativa cristã autonomia e independência da política e das ideologias (cf. Bento XVI, Enc. Deus caritas est, 31 b), ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns” (17).

Aceitemos o desafio da Gaudium et Spes8.- A leitura dos sinais dos tempos não pode ser, apenas, um tema sugestivo e interessante. É, sobretudo, um desafio profético de quem reage com amor à realidade da história. É a solicitude salvífica que nos faz estar atentos, à espreita, para captar “sinais”, aberturas à mensagem de salvação. “Sinais dos tempos”, são alertas emitidos da profundidade da realidade humana e do âmago da nossa história. Não são conclusões sociológicas, mas “sinais” do Reino. Como dizia o P. Congar, naqueles tempos conciliares, é o homem, na sua realidade, a bater à porta da Igreja, pedindo-lhe que lhe abra o Evangelho na página que ele precisa de ler naquele momento. A sua própria realidade torna-o capaz de a escutar.
Procurar novos caminhos de renovação pastoral é incompleto sem esta ousadia profética, embora saibamos que, como o oráculo profético, a leitura dos “sinais dos tempos” não é programável nem previsível. Conseguimos apenas identificar as características da fé e da vida eclesial que hão-de tornar possível essa leitura.
Antes de mais temos de ter consciência, sobretudo nós os clérigos, que a Igreja é o Povo de Deus, que os leigos têm um papel decisivo na renovação da Igreja e que também são chamados a ler os “sinais”. Isto exige de nós, pastores, que inculquemos neles a paixão por Jesus Cristo, a urgência da salvação, a ousadia da santidade. O Papa disse-nos isso, a nós Bispos, acerca dos leigos de quem somos pastores: “Mantende viva a dimensão profética sem mordaças no cenário do mundo actual, porque «a palavra de Deus não pode ser acorrentada» (2Tm 2, 9). As pessoas clamam pela Boa Nova de Jesus Cristo, que dá sentido às suas vidas e salvaguarda a sua dignidade. Como primeiros evangelizadores, ser-vos-á útil conhecer e compreender os diversos factores sociais e culturais, avaliar as carências espirituais e programar eficazmente os recursos pastorais; decisivo, porém, é conseguir inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade, cientes de que o resultado provém sobretudo da união com Cristo e da acção do seu Espírito” (18).
A proclamação da fé, a nossa e a de todos os cristãos, tem de ter a força de um testemunho. Mais uma vez, a palavra do Santo Padre: “Quando no sentir de muitos a fé católica deixa de ser património comum da sociedade e, frequentemente, se vê como uma semente insidiada e ofuscada por «divindades» e senhores deste mundo, muito dificilmente aquela poderá tocar os corações, graças a simples discursos ou apelos morais e menos ainda a genéricos apelos aos valores cristãos. O apelo corajoso e integral aos princípios é essencial e indispensável. Todavia a mera enunciação da mensagem não chega ao mais fundo do coração da pessoa, não toca a sua liberdade, não muda a vida. Aquilo que fascina é sobretudo o encontro com pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça de Cristo dando testemunho d’Ele” (19).
É preciso restituir à Igreja o seu dinamismo pastoral, isto é, fazer da Igreja toda sacramento da bondade de Cristo Pastor. A pastoral não é apenas a arte de programar, mas a manifestação, no concreto da história, do amor de Jesus Cristo pelos homens. Mas é decisivo que os sacerdotes redescubram, no exercício do seu ministério, o modelo do Pastor. Trabalhamos mais do que amamos, criamos estruturas mas quando as pessoas precisam do pastor, nós estamos ocupados. Como diz João no Apocalipse, escutemos o que Cristo diz aos pastores das Igrejas (cf. Apoc. 1,19 e 2,1ss).

Fátima, 16 de Junho de 2010

†JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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NOTAS:

1 - Gaudium et Spes, n.º 3
2 - Ibidem, n.º 4
3 - Ibidem, n.º 11
4 - Ibidem
5 - Bento XVI em Portugal, Discurso no Aeroporto da Portela, 11 de Maio de 2010
6 - Ibidem
7 - Bento XVI, diálogo com os Jornalistas durante o Voo para Portugal, 11 de Maio de 2010
8 - Bento XVI, Discurso no Encontro com os Bispos de Portugal, Fátima, 13 de Maio de 2010
9 - Bento XVI em Portugal, Discurso no Aeroporto da Portela, 11 de Maio de 2010
10 - Bento XVI, diálogo com os Jornalistas durante o Voo para Portugal, 11 de Maio de 2010
11 - Gaudium et Spes, n.º 4
12 - Bento XVI, Discurso na Celebração das Vésperas com os Sacerdotes, Religiosos, Seminaristas e Diáconos, Fátima, 12 de Maio de 2010
13 - Bento XVI, Homilia da Missa no Terreiro do Paço, Lisboa, 11 de Maio de 2010
14 - Gaudium et Spes, n.º 1
15 - Bento XVI, Encontro com as Organizações da Pastoral Social, Fátima, 13 de Maio de 2010
16 - Ibidem
17 - Ibidem
18 - Bento XVI, Discurso no Encontro com os Bispos de Portugal, Fátima, 13 de Maio de 2010
19 - Ibidem

[ Documentos D. José Policarpo 2010-06-16 11:02:16 Conferência Episcopal Portuguesa ]"

O Insucesso escolar. Afinal a culpa não é dos professores

Contrariamente ao que às vezes se apregoa, não só em Portugal mas pelo mundo inteiro, parece que os alunos portugueses e de ascendência portuguesa resistem ao estudo. As causas estão nos pais que pouco ou nada os apoiam.
Estes estudos foram publicados no jornal "O Público" que com o devido respeito aqui reproduzo.



"São marcas que continuam a acompanhar os portugueses. Cá dentro, Portugal tem a segunda taxa mais elevada de abandono escolar precoce da União Europeia.
Lá fora, os filhos dos emigrantes portugueses continuam a desistir. No Luxemburgo, um em cada quatro alunos que abandona a escola secundária é português, dá conta um estudo do Ministério da Educação luxemburguês, ontem divulgado pela agência Lusa.
"Entre os estudantes estrangeiros que frequentam o ensino secundário naquele país, os portugueses são os que apresentam a maior taxa de abandono escolar.
No último ano lectivo, estavam inscritos nas escolas públicas 7046 portugueses. Desistiram 454, o que representou um aumento de cinco por cento em relação ao ano anterior. Os alunos portugueses representam 19,1 por cento da população estudantil do Luxemburgo. São o maior grupo entre os estrangeiros que estudam naquele país.
"A outra face da mesma moeda: dados recentes mostram que, nos EUA, Canadá, Grã-Bretanha e Suíça, os filhos dos emigrantes portugueses estão também entre os que obtêm resultados escolares mais baixos entre as comunidades estrangeiras. ( !!! )
Para Hermano Sanches Ruivo, responsável pela primeira associação de luso-descendentes criada na Europa, a Cap Magellan, a reprodução desta situação deve-se em grande parte ao facto de muitas famílias continuarem a não valorizar o papel da educação.
"Para muitos, educação é os filhos fazerem o que eles fizeram", comenta ao PÚBLICO.
"Não têm tempo para acompanhar os filhos, não gastam dinheiros em aulas suplementares para compensar atrasos. Os jovens, por seu lado, têm como preocupação começar a trabalhar o mais rapidamente possível."
"Também o organismo que coordena os serviços escolares na Suíça (CDIP) apontou, em 2007, o dedo às famílias. Os fracos resultados escolares das crianças portuguesas devem-se "ao desinteresse total dos pais em acompanhar" a educação dos filhos e à "origem sócio-cultural modesta" destes, afirmava-se num documento que suscitou a indignação dos representantes portugueses naquele país.

"Sanches Ruivo, que foi o primeiro luso-descendente a ser eleito para a Câmara de Paris, considera que a responsabilidade desta performance negativa recai também sobre os sucessivos governos portugueses. Tem sido feito muito pouco para promover a língua portuguesa, constata. Um resultado: em França, apenas 30 mil pessoas estão a aprender português, os estudantes de italiano são quase 300 mil, os de espanhol três milhões.

SÃO COINCIDÊNCIAS A MAIS. Os sistemas educativos do Luxemburgo, Canadá, Reino Unido, Suíça, França e Portugal, sendo muito diferentes - e alguns deles muito prestigiados internacionalmente - apresentam os mesmos dois problemas com os alunos portugueses: Abandono escolar e insucesso...
Não seria de explorar a possibilidade de estarmos perante um problema cultural de fundo, dos portugueses em relação à escola e à necessidade do estudo ?
Andou o Ministério da Educação, nos últimos anos, sob a liderança de Maria de Lurdes Rodrigues, com o beneplácito de um agradecido José Sócrates, com o apoio propagandístico de alguns "opinadores", como Emídio Rangel ou Miguel Sousa Tavares, a despejar sobre a opinião pública a ideia de que os professores portugueses eram uma espécie de crápulas, responsáveis pelo abandono escolar e pelos maus resultados dos alunos, para vir agora um estudo do Ministério da Educação do Luxemburgo revelar que são os estudantes portugueses naquele país os que registam mais abandono escolar e piores resultados.
Afinal, como prova esse estudo, reforçado por situação idêntica noutros países, como os Estados Unidos, o Canadá, a Grã-Bretanha e a Suiça, o facto das famílias portuguesas emigrantes não valorizarem o estudo e o ensino, está na origem do abandono escolar e dos maus resultados.
Ou seja, em sistemas de ensino diferentes, com condições de trabalho e formação dos professores diversos, o resultado é sempre o mesmo em relação aos estudantes portugueses: alto índice de abandono e fracos resultados escolares.
Apontam ainda aqueles estudos como principais responsáveis pela situação as famílias que não valorizam os estudos. Obviamente que em Portugal a razão é a mesma.
Depois da divulgação desta notícia, só por má-fé, ignorância e/ou inveja social é que o "bando" de Maria de Lurdes , os "opinadores" do costume e o "paizinho" Albino Almeida, podem continuar a despejar sobre a opinião pública a ideia da "culpa dos docentes" pelo estado do ensino indígena.
De facto existe na sociedade portuguesa uma tendência generalizada para desvalorizar o estudo, o esforço intelectual e a responsabilidade das famílias na educação dos filhos.
O ataque desferido nos últimos anos à classe docente tem contribuído para agravar ainda mais essa situação.
Num país onde "opinadores", economistas e políticos transmitem como imagem de valorização pessoal e económica, actividades como a especulação financeira e imobiliária, o futebol e os concursos de fama efémera, não é de admirar que se desvalorize socialmente o conhecimento e a aprendizagem.
Basta olhar para os escaparates dos quiosques para percebermos isso: existe uma imensidão de publicações dedicadas ao futebol, à vida cor-de-rosa de famosos por serem famosos, ou à divulgação de truques financeiros para enriquecer rapidamente.
Por exemplo, se alguém quiser encontrar uma revista de Cultura, de Arte ou de História, de edição regular, só recorrendo à imensidão de publicações espanholas ou francesas de boa qualidade.
O Jornal de Letras é a excepção, mesmo assim sobrevivendo com dificuldades e quinzenalmente. O Blitz, para sobreviver, teve de passar a revista mensal.
Perante esta realidade até poderíamos ter o melhor sistema de ensino do mundo, que os resultados pouco mudariam.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Abraços

Já há tempos atrás, fiz aqui referências à importância de um abraço e da proximidade que pode criar junto dos outros.
Através desta canção muito linda e inspiradora, Miguel Gameiro consegue tocar no sentimento de muita gente. No meu caso, fez-me lembrar o rapaz Miguel, ainda adolescente e a dar os primeiros passos no conjunto "Polo Norte".
Pela caminhada que fez, deixo-lhe, por esta via, a minha sincera homenagem.
Ao produtor "Careca productions", os meus agradecimentos por ter juntado a letra à música e as lindas imagens que lhe associou.
Para todos o meu abraço.
Aníbal Carvalho

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