segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A existência de Deus - Razões para desfrutar a vida

Este texto é da autoria de Juan A. Estrada, professor catedrático da Universidade de Granada - Espanha e foi publicado em 19.01.2009 .
Como achei o artigo extraordinariamente interessante e até desafiadior fiz a sua tradução para Português e coloco-a aqui à disposição de todos.
Aníbal Carvalho

“Provavelmente Deus não existe, por isso deixa de te preocupares e desfruta a vida”. Este anúncio surgiu com força, ainda que com pouca originalidade, pois é uma mera cópia do que têm dito, há algum tempo, os ingleses. Nem isto. Que inventam eles? Estamos habituados à propaganda religiosa e o seu contrário provoca agressividade. Crentes de todos os credos sentem-se ameaçados e até surpreendidos. Já se anunciam contra-réplicas. Mas a relatividade é perigosa e até vingativa. Pode cegar-nos pelas razões do outro. Numa palavra, que poderão aprender as pessoas religiosas com os ateus? Às vezes a crítica à religião pode contribuir para a melhorar, tal como aconteceu quando algumas entidades criticaram o cristianismo ao compararem -no com a doutrina dos direitos humanos.

Este “slogan” contrapõe a existência de Deus ao desfrutar a vida. É uma contestação contra a religião que sufoca, contra o código religioso baseado em recomendações, proibições e exigência de sacrifícios, contra o que acentua a negatividade da vida. Por que incomoda os cristãos se o Evangelho é uma Boa Nova? Jesus trouxe uma mensagem de esperança; curou, perdoou e aliviou o sofrimento; transmitiu desejo de viver e de lutar; anunciou uma salvação aqui e agora, para a vida, a vida do reino de Deus. Ninguém é capaz de acusar Jesus de obstaculizar a felicidade humana. O problema é que não ocorreu o mesmo com a religião cristã.

O moralismo e a doutrinação, a jurisdição do pecado e a proliferação de mandamentos e normas eclesiásticas tornaram a religião odiosa para muita gente. Nem todo o cristianismo se reduz a isto, mas este código impositivo faz parte da sua história. Ora os ateus que protestam contra ele, têm mais razão do que aqueles que aceitam o código religioso, ainda que lhes asfixie a vida, porque paradoxalmente é incompatível com o evangelho. A resposta a este “slogan” só pode ser o seu contrário, isto é, se Deus existe desfruta a vida em Cristo, ou seja a transformação do cristianismo actual na teoria e na prática.

Há que desfrutar a vida exista Deus ou não. O problema é que, o que entendemos por desfrutar a vida? Para muitos é o gozo de uma mistura entre o bem-estar material, hedonismo e sexualidade. Para outros isto não basta uma vez que é insuficiente e por isso é necessário buscar algo mais. Mas o quê? Amar e ser amado, partilhar e participar, contribuir na construção da justiça, da paz e da felicidade dos outros. A confrontação radical não está entre os ateus e os cristãos, mas entre os que colocam as metas da sua vida na mistura entre o dinheiro e sexo que domina as nossas sociedades, e os que de outro modo põem o acento nas relações pessoais, na justiça e fraternidade que derivam dela.
Segundo o que se entende por felicidade assim as classificamos. Ora isto não equivale a colocar os ateus contra os cristãos pois em ambos os grupos existe muita gente com códigos diferentes, tal como diz a perspectiva cristã, de que, “não são todos os que estão nem estão todos os que são”. O reino de Deus é maior que a Igreja e os critérios para determinar quem é cristão não são as práticas religiosas mas a atitude que temos perante os que têm fome, os doentes, os que sofrem, etc. (Mt 25, 31-46)
“Provavelmente Deus não existe”, é uma afirmação respeitosa, sem fanatismo nem radicalidade. Expressa o ponto de vista de muita gente, ainda que não seja a maioria. Está aberta ao diálogo, porque o provável (para mim), não é o certo e o seguro. Numa sociedade plural é preciso evitar os maximalismos agressivos em benefício da sã convivência de credos e religiões, de pessoas com visões diferentes. Na religiosidade ocidental há, por vezes, muita intransigência e fundamentalismo, tanto entre teístas como entre os ateus. Afirmar a própria postura implica agredir o que pensa diferente, o que é inimigo. Podia-se acrescentar e alguns acrescentam que, “provavelmente Deus existe” pois estão convencidos disso. O acreditar em Deus é compatível com dúvidas, perguntas e incertezas. O crente só pode testemunhar a sua fé, dar razões do sentido da sua vida que encontrou em Jesus Cristo. A partir disso pode interpelar o ateu, nada mais…..
Numa sociedade pós-cristã, a da morte de Deus, é bom que ressurja o debate. O pior não é o ateísmo humanista que protesta contra a religião opressora, mas a indiferença aos valores humanos que apregoa o Evangelho. Na história do cristianismo o seu grande inimigo não foi o ateísmo mas a idolatria, isto é absolutizar o dinheiro, o prestígio e o poder ao mesmo tempo que se faz disso modo e sentido da vida. Ora isso não diz respeito apenas aos ateus mas também têm sido algumas tentações típicas da Igreja e dos cristãos. Contra isto também protestam os que afirmam que provavelmente Deus não existe.