quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A ESCOLA PÚBLICA E O FORDISMO

Texto fantástico de Luís Torgal (Prof. Catedrático da Universidade de Coimbra)
Para pensarmos claramente para onde este pseudo Sócrates nos está a levar.
É preciso parar, pensar e decidir.

A escola pública morreu, enquanto espaço democrático multifacetado (e idealista) de instrução científica e artística e de formação cívica -- já o proclamei aqui algumas vezes. Foi abruptamente estilhaçada pelo maremoto das desconexas e demagógicas ordenações socratistas de 2008: novo estatuto do aluno, nova lei sobre o ensino especial, novo regulamento de avaliação de desempenho docente e novo modelo de gestão escolar. Foi desacreditada pela propaganda do ministério e da ministra que a tutelam e caiu em desgraça junto da opinião pública. Foi tomada por demasiados candidatos a futuros directores escolares embevecidos pelos decálogos de José Sócrates e inebriados pelas cartilhas sobre as dinâmicas de gestão no mundo neoliberal - afinal, as mesmas cartilhas que agora puseram o mundo à beira do caos. Foi pervertida pela imposição, por parte do Ministério da Educação, de um sistema burocrático kafkiano que visa obrigar os professores a fabricarem um sucesso educativo ilusório. Foi adulterada por alguns professores pragmáticos ou desprovidos de consciência crítica, os quais exibem a sua diligente e refinada burocracia como arma de arremesso para camuflar as suas limitações científicas, pedagógicas e culturais. E, neste momento, quando decorrem nas várias escolas eleições para os conselhos gerais transitórios, está a ser vítima de um já previsível mas intolerável processo de politização (no sentido mais pejorativo da palavra). Tal processo é dirigido por forças que em muitos casos se mantiveram durante anos alheados dos grandes problemas das escolas, mas que na actual conjuntura encaram estas instituições (outrora) educativas como tribunas privilegiadas para servirem maquiavélicos interesses de poder pessoal e/ou de carácter político-partidário. A nova escola pública que está a emergir é uma farsa. Tornou-se um território deveras movediço, onde reina uma desmedida conflitualidade (e competitividade) social e política e uma grotesca e insuperável contradição entre os conceitos de 'escola inclusiva' e de 'pedagogia diferenciada'.
Nesta instituição naufragaram, entretanto, num conspurcado lamaçal, os nobres ideais instrutivos, formativos e educativos... O famoso PC portátil 'Magalhães', ofertado em grande escala, numa bem encenada operação de marketing, a alunos do primeiro ciclo que cada vez sabem menos de Português ou Matemática e utilizam os computadores somente para simples divertimento é, de resto, o mais recente exemplo do sentido irreal e burlesco das prioridades deste sistema educativo.
A nova escola pública é hoje uma empresa gerida por muitos tecnocratas alinhados com a actual ordem política, e equipada por operários que se desejam amanuenses servis e catequizados na alegada única ideologia vigente (a qual -- agora já todos o sabemos -- se encontra manifestamente em crise). A verdadeira função desta espécie de mal engendrada e desalmada linha de montagem é produzir, automaticamente, em massa, de forma acelerada, e a baixos custos, duvidosos produtos estandardizados. Esta nova escola é, afinal, um hino ao velho Fordismo. O tal sistema que venerou o dinheiro como
deus supremo do homo sapiens sapiens e que projectou um mundo sublime, onde o Homem é castrado da sua capacidade cognitiva e coagido a demitir-se das suas quotidianas obrigações familiares bem como de outros cívicos desígnios sociais em nome do lucro desenfreado (de uns poucos), da sobrevivência, do consumismo e do hedonismo desregrados. Aquele sistema perfeito superiormente ironizado por Aldous Huxley ('Admirável Mundo Novo') ou por Charlie Chaplin ('Tempos Modernos'), nos anos 30 do século XX, que está agora no epicentro de mais um 'tsunami' financeiro de consequências imprevisíveis para a humanidade, 'tsunami' esse cujas causas são reincidentes e estão bem diagnosticadas. Enfim, aquele implacável sistema materialista mecanicista e 'darwinista' cujo modo de vida John dos Passos também satirizou, numa obra datada dos mesmos anos 30 ('O Grande Capital'), com esta antológicas palavras: 'quinze minutos para almoçar, três para ir à casa de banho; por toda a parte a aceleração taylorizada: baixar, ajustar o berbequim-acertar a porca-apertar o parafuso. Baixar-ajustar-o-berbequim-acertar-a-porca-apertar-o-parafuso, até que a última parcela de vida tenha sido aspirada pela produção e que os operários voltem para casa, trémulos, lívidos e completamente extenuados'.
'Porreiro pá!' Mas, pá, será esta a escola e o mundo que nós desejamos para os nossos alunos, para os nossos filhos?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Desejo de Liberdade e de Espiritualidade

Transcrevo esta entrevista reforçando a importância destes dois aspectos na vida de cada pessoa, a que muitas vezes não ligamos por nunca termos sentido a usa ausência. Belo Testemunho para todos nós que "temos a barriga cheia" e nada parece faltar.

Entrevista INGRID BETANCOURT
Público 25.10.2008
“No inferno da selva não podemos aceitar um Deus qualquer” Durante seis anos e meio, esteve prisioneira na selva, nas mãos das FARC. Foi aí que descobriu que Deus é humano e tem sentido de humor. Libertada há quase quatro meses, Ingrid Betancourt, ex-candidata à Presidência da Colômbia, tem-se reunido com líderes políticos e religiosos em todo o mundo para lembrar que há ainda outros por libertar. Hoje sorri, mas ainda não cortou o cabelo.
Tristeza. Doença. Animalismo. Resistência. Resignação. Amizade. Até mesmo milagres. Ingrid Betancourt experimentou tudo isto durante os seis anos, quatro meses e nove dias em que esteve prisioneira das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Proveniente de uma família abastada e bem relacionada, Ingrid nasceu em 1961 em Bogotá, onde passou a infância. Mais tarde estudou Ciência Política em Paris, especializando-se em comércio externo e relações internacionais. Foi em Paris que casou com o diplomata Fabrice Delloye, pai dos seus dois filhos, Lorenzo e Melanie, dividindo depois o seu tempo entre a capital francesa, as ilhas Seychelles, Montreal e Los Angeles.
Em 1989, depois de se separar do marido, regressou à Colômbia, onde iniciou uma notável carreira política, que em apenas cinco anos a levou até à Câmara dos Representantes. Tornou-se o tormento da classe política, cujas ligações ao tráfico de droga Ingrid criticava. Em 2001, após ter afirmado que o Senado era "um ninho de ratazanas", Betancourt demitiu-se e anunciou a sua candidatura às eleições gerais de 2002. A 23 de Fevereiro desse mesmo ano,
durante uma arriscada visita em campanha eleitoral a San Vicente del Caguán, foi raptada pelas FARC. Ao longo dos quase seis anos e meio que esteve prisioneira na selva, tentou fugir cinco vezes, revelando aos seus captores ser uma refém problemática, pelo que a mantiveram acorrentada durante a maior parte do tempo.
Em Dezembro de 2007, o jornal El Tiempo publicou uma carta que Ingrid escrevera à sua mãe e que comoveu o mundo. Tinha sido confiscada pelo Exército colombiano juntamente com uma série de fotografias que mostravam uma Betancourt extremamente magra, pálida e envelhecida. Como resultado, as forças políticas mundiais mobilizaram-se para a libertar.
Finalmente, a 2 de Julho de 2008, foi salva pelas Forças Armadas colombianas, com outros 14 prisioneiros. A Ingrid libertada era muito diferente, a nível físico e psicológico, da que surgira nas fotos e na carta. Estava mais encorpada e parecia eufórica. De facto, apenas poucos meses após a sua libertação, e depois de passar o resto do Verão com a família, embarcou numa missão de lembrar ao mundo que ainda existem muitos reféns para serem libertados.
Encontrou-se com todo o tipo de líderes, desde o primeiro-ministro espanhol, José Luís Rodríguez Zapatero, e o papa Bento XVI ao Presidente francês, Nicolas Sarkozy, o seu anfitrião em França, onde agora Betancourt reside.
Ingrid diz que voltará à Colômbia assim que for suficientemente seguro, mas que não tenciona regressar à política - pelo menos que nós saibamos. Mas também tem sugerido que é possível um outro tipo de actividade política, até insinuando - e pelo menos foi essa a impressão que transmitiu nesta entrevista - que poderia ser ela a introduzir esse novo tipo.
Como se sente?
Espantosamente bem. Sinto-me fisicamente bem e psicologicamente equilibrada. Tenho fraquezas, mas consigo enfrentá-las, não me angustio com elas.
Na carta que escreveu à sua mãe em 2007 parecia abatida, desesperada, resignada. E as notícias sobre a sua saúde eram muito preocupantes. Ainda nos lembramos da fotografia em que aparecia magra, pálida e triste. O que aconteceu entre essa carta, e essa fotografia, e a sua libertação, para que tenha mudado tanto?
Uma série de milagres. Quando escrevi essa carta e me tiraram essa fotografia, eu estava numa situação muito difícil, tanto a nível físico como a nível psicológico. O aspecto físico é sempre a parte visível da nossa alma. Quando escrevi essa carta, o corpo estava muito doente, já não conseguia aguentar mais. Eu não conseguia comer. Deitava fora tudo o que comia e vomitava sangue. Toda a minha relação com o mundo era sangrenta. Eu estava extremamente fraca, e isso desencadeou uma virose grave. Essa doença física e a infinita tristeza da alma também originaram a resignação face à morte. Eu sabia que estava a morrer e sentia que tinha que aceitar isso e preparar os meus filhos e a minha mãe. Essa carta era praticamente um testamento: queria dizer-lhes quanto os amava. Mais do que tudo, queria que eles soubessem que eu estava feliz e grata a Deus por tudo o que me tinha acontecido e que não queria que eles se sentissem culpados ou com remorsos [...]. A certa altura fiquei prostrada, deixei de ir à casa de banho, não lavava as minhas roupas e não aceitava nenhuma comida. Por fim, um dos meus companheiros de prisão, William Pérez, que é enfermeiro, percebeu que eu precisava de ser tratada. Discutiu com os guerrilheiros, porque tinha de ser um tratamento especial, e conseguiu que eles me dessem antivirais e uma injecção intravenosa, o que foi uma tortura adicional, porque apanhei imediatamente flebite [inflamação das paredes das veias que perturba a circulação do sangue]. A minha situação ficou muito complicada. [...] Alguns dias antes de ser libertada vi essa fotografia numa revista antiga. Não tínhamos espelhos [na selva], e então percebi o impacto que ela tinha tido.
Para aqueles como nós que não estão familiarizados com a selva, é difícil imaginar o que terá sido o seu cativeiro. Imaginamos grandes privações, quando afinal as realmente sérias aparentemente eram as pequenas privações. Por exemplo, creio que um dos castigos mais frequentemente usados pelos guerrilheiros era não lhe dar papel higiénico.
Na selva descobrimos a dor em todas as suas dimensões. Em primeiro lugar, a dor da alma devido à perda da liberdade, que equivale a perder a nossa dignidade. O que nos torna humanos é a possibilidade de tomar decisões. Estamos sempre a tomar decisões: a que horas nos levantamos, o que vamos comer, onde vamos, que palavras vamos usar, o que vamos vestir, como vamos organizar por prioridades as nossas actividades diárias. De repente, o prisioneiro perde tudo - não podemos tomar decisões, nem que seja para ir à casa de banho, porque temos que pedir autorização [...] A selva é um lugar hostil. Lá tudo magoa. A pele não é um elemento de protecção, mas de dor. Na selva, tudo faz comichão, tudo é desconfortável. Ter um corpo na selva é como ter um peso extra, porque o corpo é simplesmente um local doloroso. Comer dói, ir à casa de banho dói, tomar banho dói, viver dói, respirar dói, não poder ver o céu dói, não poder ver aqueles que amamos dói.
Muitas pessoas imaginam que ser prisioneiro na selva é uma actividade ao livre, quando na realidade nem se consegue ver a luz do sol porque se está sempre em áreas densamente cobertas, para evitar sermos vistos. Até tinha que secar a sua roupa com uma fogueira, certo?
A selva é uma prisão. Na selva não há horizonte, está-se rodeado de vegetação espinhosa e agressiva que se fecha à nossa volta. Não há estradas, não se pode sair de lá...
Quando estava presa, pediu uma enciclopédia, mas deram-lhe uma Bíblia que mudou a sua vida. Pode contar-nos um pouco acerca da transformação espiritual que sentiu quando estava na selva?
Fui raptada a 23 de Fevereiro, e a 23 de Março o meu pai morreu. O meu pai era, e ainda é, o amor da minha vida. A forma como descobri, alguns meses depois, foi terrível. Foi um grande choque, porque quando sentimos que... [Começa a chorar e fica calada.] Sempre me senti abençoada, mimada pela vida. Quando tudo isto me aconteceu - o meu rapto, a morte do meu pai, a solidão da minha mãe -, eu tinha duas opções: negar a existência de Deus, e pensar que tudo acontecia por acaso e sem razão, um caos sem explicação ou respostas; ou encontrar Deus. No inferno da selva não podemos aceitar um deus qualquer. O Deus ritual da nossa infância já não é suficiente. Não chega acreditar que Deus é amor, ou que não o podemos explicar. Na selva precisamos de um deus racional. Se a nossa fé não for racional, se não tivermos a certeza de que Deus existe, não conseguimos iniciar uma relação com Ele. A tradição não chega. A religião católica não nos incentivou a ler a Bíblia, como se fôssemos intelectualmente diminuídos. [...] É muito difícil explicar, mas o que estou a tentar dizer é que percebi, ao ler a Bíblia, que Deus não é energia, ou luz, ou partículas de gás no cosmos; Deus é humano. Por outras palavras, a sua relação connosco é uma relação de palavras, e penso que isso é fundamental: perceber que somos seres de palavras. [...] Descobri um Deus com sentido de humor, com um sentido de autoridade, um Deus que educa, um Deus que ama, mas, acima de tudo, um Deus que é capaz de tudo. Isto significa que ele podia ter feito, em vez de seres humanos, robôs perfeitos programados para fazerem o bem. Por isso, a questão é: por que é que ele nos fez pessoas com livre-arbítrio, não robôs? A resposta é bonita: um robô pode ser programado para amar, mas se não tiver a liberdade de não o fazer, o seu amor não tem valor.
A princípio você respeitava o pensamento que esteve por trás da ascensão das FARC, apesar de não respeitar a sua evolução ou os meios que mais tarde utilizaram para alcançarem os seus objectivos, o que as prejudicou. Quando começou a sua carreira política, o poder estabelecido também perdeu a sua legitimidade, porque, com os seus abusos e corrupção, criou as condições para emergirem os guerrilheiros. Pensa que esse poder instituído, por oposição ao poder representado pelos guerrilheiros, tem mais legitimidade hoje do que antigamente? A sociedade colombiana é agora mais equilibrada, menos corrupta?
Eu pensava que as FARC eram uma resposta às contradições do sistema. Depois de viver com as FARC, aprendi que eles são um subproduto desse mesmo sistema, e foi essa a grande desilusão. Quando eu estava envolvida na política da Colômbia, pensava que as estruturas de poder tinham que ser alteradas. Hoje penso que é a alma do povo colombiano que precisa de ser mudada. [...] Quando penso na Colômbia, penso que somos o produto de uma civilização que está muito doente. E acabamos a pensar que não são apenas os corações que precisam de ser mudados, mas o mundo também precisa. E o mais incrível é que creio que isto é possível, bem como necessário e urgente.
Lembramo-nos da Ingrid Betancourt de antes do seu rapto como sendo uma rebelde em constante confronto com o poder, que dizia ser corrupto. Há quem diga que os guerrilheiros nos devolveram uma mulher submissa a esse mesmo poder. Ou seja: desde a sua libertação, você não fez nada excepto tirar fotografias com as pessoas mais poderosas do planeta. Não há chefe de Estado ou rei que não queira aparecer ao seu lado. Estas pessoas inundam-na com todo o tipo de honras, prémios e atenções. Pode-se dizer que tem feito muito com os poderosos, mas muito pouco com os desamparados, as pessoas humildes que rezaram pela sua libertação e encheram as ruas com a sua alegria, quando foi libertada.
Nestes meses de liberdade, tirei fotografias com muitas pessoas que vieram ter comigo na rua e me abraçaram. Essas fotografias estão nos álbuns de família, mas não são para ser vistas na imprensa. A visão que o mundo tem é provavelmente aquela que obtém através dos media. A visão que eu tenho é do amor infinito de tantas pessoas - algumas muito poderosas, outras muito conhecidas, outras menos, outras que são cidadãos comuns, mas a meus olhos todas elas são iguais e estou igualmente grata a todas.
Onde existe maior perigo para a integridade moral e intelectual - na selva ou nas grandes salas de reunião?
Acho que o perigo reside na própria pessoa, em perder o seu equilíbrio e objectivo. Os seres humanos são criaturas sociais. O que se vê na selva, a nível humano, não é muito diferente do que se vê no exterior, apenas as relações são mais intensas. Sei muito bem que na selva fui usada e manipulada, e sei que aqui, no mundo real, provavelmente algumas pessoas também me querem manipular. Mas não me importo com isso. O que estou a fazer, o que faço, é a consequência de decisões que derivam das prioridades no meu coração. Isso torna-me imune.
Estou num lugar em que as coisas que interessam a outras pessoas já não me interessam. Sou muito livre.
Quando era activista política, estava consciente do poder dos símbolos. Parte do seu sucesso era devido a acções - como quando entrou em greve de fome no Congresso ou distribuiu preservativos nas ruas de Bogotá - que se dirigiam directamente a parte do eleitorado. Agora, talvez porque usou tanto símbolos, tornou-se você própria um símbolo... É curioso que, de todas as pessoas que foram raptadas pelos guerrilheiros e depois libertadas, você seja a que se tornou um símbolo. Qual é, para si, a razão disto?
Não sei... Quando estava na selva, tive que pagar um preço muito alto por ser um símbolo.
Não se escolhe ser um símbolo, não se pode dizer que não sou isto ou aquilo, porquê eu...Mas, mesmo sem perceber por que fui escolhida, encaro isso como uma responsabilidade.
Enquanto ser humano, não existe nada de especial que me torne diferente de milhares de outros que foram raptados na Colômbia ou no resto do mundo. Mas tinha que ser alguém, tal como com tantos outros que também são símbolos. O que agora sei é que é uma responsabilidade e que isso significa que tenho que servir os outros. Isso para mim é uma coisa boa, porque a única coisa que me faz feliz é ajudar outros.
Uma última questão. Porque é que ainda não cortou o cabelo?
O meu cabelo é um símbolo, um calendário. Representa dias de cativeiro, meses, anos. É uma forma de lembrar que outros ainda lá estão, para que eu não esqueça, e assim o mundo também não o esqueça.
Exclusivo PÚBLICO/El País

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Belezas Emblemáticas de Portugal

Deixo aqui um link sobre as belezas de Portugal e da sua Cultura. Esta visualização é capaz de levar cada um que as contemple, a satifazer os seus desejos sobre as maravilhas que nos rodeiam e que muita vezes não nos damos conta.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Uma opinião de se lhe tirar o chapéu e que reproduzo para reflexão dos interessados

O Magalhães, o porco e o Sócrates (o outro)

Fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobre
Sobre o Magalhães (refiro-me ao computador português feito no estrangeiro) já se escreveram muitos e interessantes comentários, uns a favor e outros contra. Tudo visto, parece-me que resta uma generalizada (mas para mim preocupante) aceitação da medida. Ouviram-se escolas e professores sobre a iniciativa? Não, porque por elas pensa a ministra, para quem o Magalhães constitui "o instrumento principal da democratização do ensino"; ponderou-se o impacto que a tecnologia tem na melhoria do aproveitamento escolar dos jovens, analisando estudos disponíveis sobre a matéria, que concluíram pela sua irrelevância? Não, porque o coordenador do Plano Tecnológico já disse ao que vai: dois alunos por computador em 2010!
Dou de barato não saber que critérios presidiram à escolha deste computador e não de outro, da Intel ou da empresa de Matosinhos, e simplesmente não engulo a fantasia da ausência de custos para o Estado. Mas o que acho verdadeiramente preocupante é a generalizada adesão ao culto duma modernização pacóvia, que tudo resume ao mero mercantilismo (e não utilitarismo, como muitos impropriamente referem o conceito que, enquanto teoria filosófica, é coisa bem diferente). A formação sólida, que constitui a missão da Escola e dos professores, deve assentar numa clara hierarquia de valores: primeiro o conhecimento puro, depois o instrumental. Mas o que se tem feito ultimamente é a secagem das actividades cognitivas, substituindo-as pelas meramente instrumentais. Foi assim que se trocaram clássicos da literatura por textos ditos pragmáticos (simples formulários, notícias jornalísticas ou mensagens publicitárias) e se preferiram as actividades conducentes à aquisição de "competências" em detrimento das actividades de forte componente cognitiva. Foi assim que se enfraqueceu o ensino da Gramática, da Filosofia e da História e se reforçaram iniciativas híbridas ("área projecto" e "estudo acompanhado"). Surpreendente? Não, se tivermos em vista que quem decide são tecnocratas deslumbrados pela tecnologia e convencidos que os "bichavelhos" são suficientes para educar o povo. Parece-me evidente que há mais gente satisfeita com este bodo de Magalhães a eito que gente insatisfeita e ciente, como eu, de que as crianças do ensino básico não vão aprender melhor a ler e a interpretar o que lerem por causa dos computadores; ou de que não aprenderão mais cedo e melhor a Matemática fundamental por via do Magalhães; ou de que não se iniciarão precocemente na actividade de pensar e perceber o que as rodeia, por via do portátil. E é aí que reside o problema: fornecer tecnologia sem cuidar da literacia que a permite utilizar é drasticamente pobre. O impacto da componente cognitiva do ensino só pode ser comparado com o da sua vertente instrumental por quem conhece as duas e tem do exercício profissional uma autoridade que os tecnocratas desprezam. O tecnocrata é por norma e por formação pouco sólida um fanático da tecnologia, que com ela se satisfaz e nem sequer aprende com a natureza efémera de tantos projectos
tecnológicos (lembram-se do ensino assistido por computador, do Minerva, do Nónio, das Cidades Digitais e do endereço electrónico para cada português, entre outros?).
Stuart Mill referiu-se assim a esta questão fundamental do pensamento e da natureza humana:
"É indiscutível que o ser cujas capacidades de prazer são baixas tem uma maior possibilidade de vê-las inteiramente satisfeitas; e um ser superiormente dotado sentirá sempre que qualquer felicidade que possa procurar é imperfeita. (...) É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota ou o porco têm opinião diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados..."

Jornal "Público" (Opinião) 01.10.2008, Santana Castilho
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)