segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ser Jovem Hoje. Que medos, que perigos?

Um texto de uma realidade preocupante que merece ser reflectido maduramente por todos os que se preocupam com os nossos jovens

Geração "Delivery"

Não era melancolia, era constatação. O rapaz dizia: "Olhe para os meus pais e os amigos dos meus pais: são gente boa, deram duro na vida, investiram em nós, fizeram tudo o que puderam. E olhe para nós: um drogado, outro deprimido, outro morreu, suicidou-se, outro conseguiu estudar, outro não tem profissão...É isso, eu não sei por quê, mas deu tudo errado!".
Cybelle Weinberg, psicopedagoga, usa este desabafo real para dizer que "ser adolescente, hoje, é
muito mais difícil do que o foi em épocas passadas". Porquê? Porque hoje é tudo mais fácil.
Aparentemente, talvez.
"Os pais são mais compreensivos, mais tolerantes, há maior liberdade sexual, maior liberdade de
expressão, maior liberdade para a escolha profissional, maior liberdade para isto, maior liberdade para aquilo". Porém, "o que vemos são jovens com pouca iniciativa, angustiados diante da escolha
profissional, deprimidos, stressados, com dificuldade para sair da casa dos pais e definir o seu próprio caminho." Cuidado, isto não é para generalizar, mas, diz quem lida com adolescentes, é espantoso o número de rapazes e raparigas que estão nesta situação.
Esta ideia subjaz ao livro "Geração Delivery - Adolescer no mundo actual", coordenado por Cybelle Weinberg. Foi este ano publicado no Brasil (Sá Editora) e dá conta da preocupação de psicólogos, médicos, psiquiatras, pedagogos e professores com os nossos adolescentes. Ao longo de 16 capítulos, escritos por diferentes autores, se percebe a inquietação com os jovens, só aparentemente autónomos, só superficialmente independentes, nada preparados para a vida. De adultos, claro. Se a chegarem a ter, claro.
Fala-se de geração "delivery". O que é? Hipóteses de definição: 1. libertação, livramento, resgate; 2. Exoneração, desobrigação; 3. entrega; 4. distribuição, expedição; 5 transferência, remessa.
Percebe-se mal. O que é? Silvia dos Reis médica, responde: São jovens dos 15 aos 25 anos,
aproximadamente. Não há um dia em que não estejam usando algo "delivery"... Estão "totalmente imersos na tecnologia, simplesmente adoram botões(...). Estes dão-nos soluções rápidas para as necessidades do momento. Trabalhos que antes levavam dias para ser elaborados, que requereriam amadurecimento de técnica, anos de prática, paciência e também amadurecimento psíquico e emocional, simplesmente são resolvidos em segundos, de forma automática".
É neste novo paradigma, o do botão, que o jovem "geração delivery" se está a formar. "Ele estuda dessa forma, distrai-se nesse esquema, vê televisão ligado a vários canais ao mesmo tempo através da TV Cabo, em três línguas diferentes. O computador tem cinco janelas activas trabalhando simultaneamente, eles estão "on-line" em todos os sentidos. Enquanto acedem aos amigos virtuais, numa orelha têm o telefone, na outra o telemóvel..." Eles estão o tempo todo a estabelecer contactos múltiplos, "rápidos porém superficiais, com o mundo todo, literalmente falando. Tudo ocorre por meio de soluções imediatas, não há tempo para esperar, as decisões e as soluções vêm completamente sem elaboração". O mesmo se passa nos vínculos afectivos onde é a geração do "estar com", que implica apenas o momento, "tudo rápido, até intenso, mas superficial".
Geração do "gadget" tecnológico e da cultura "trash" (tudo é descartável), são os "fast-kids" a quem não é exigido pensar muito ou imaginar muito pois está tudo prontinho para o "input".
Algum problema com isso? Sofia de Reis: "Quem trabalha ou convive com adolescentes precisa saber: o jovem que recebe tudo caidinho do céu, sem conversa, sem proximidade, sem ter de ouvir aqueles antigos blablablás de sempre (é claro que adaptados aos dias de hoje) sente-se mais inseguro ainda, solitário, fica deprimido e inundado por uma terrível sensação de desamparo".
Há quem pense que se está a criar o homem "light", um homem descomprometido com posições,
ideologias e papéis sociais, para quem tudo pode ser e tudo vale. "(...)Trata-se de um homem
relativamente bem informado, mas de escassa educação humanista, muito votado ao pragmatismo, por um lado, e a vários assuntos, por outro. Tudo lhe interessa, mas de forma superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que percebe e, como consequência, se converte numa pessoa trivial, superficial, frívola, que aceita tudo, mas que carece de critérios sólidos em sua conduta. Tudo nele se torna etéreo, leve, banal, volátil, permissivo" ("O Homem Moderno - A Luta contra o vazio", 1996, edit.São Paulo: Mandarim)
Fala-se dos jovens com crises de pânico, depressão, violência, toxicodependência, anorexia, suicídio... Apetece perguntar, como Cybelle: E os outros, os adolescentes que não adoecem, que não dão trabalho, onde estão?
Ela responde: "Vivemos o fim das ideologias, não há conflitos de gerações, não há contra o quê se
rebelar. Eles estão em casa, pedindo pizza pelo telefone, vendo o filme alugado, navegando na
Internet. Sair de casa? 'Pra quê?'"
Citam-me Renato Russo: "O futuro não é mais como era antigamente...". E tem que ser? Corrigem-me a citação, indo buscar Adorno: "Não se trata de conservar o passado, mas de resgatar as esperanças do passado". E eu respondo com Gertrude Stein, nos anos 20, para Hemingway: "Vocês são a geração perdida, todos vocês". E fico na dúvida: Será que todas as gerações são perdidas? Eu gosto de pensar que a minha não é. Ou esta, a "geração delivery", do "quero-quero", "já-já", arrisca-se a ser mais perdida do que as outras? Lá dentro, do quarto das minhas filhas, vem uma voz de quatro anos que não me deixa pensar: "Mamã, vem cá". "Espera um pouco", respondo. A voz sobe de tom: "Vem cá, já, agora, já!”



DULCE NETO

Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2001 - Jornal Público

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá stor, eu sou o Gonçalo Rato, seu aluno da Escola Miguel Torga. Queria lhe dizer que gostei muito do seu blog e convida-lo a ir ao meu (http://crepusculodeuses.wordpress.com).
Sobre o texto, concordo plenamente com a autora, apesar de não me identificar nesse grupo dos adolescentes. Também não posso falar muito, porque sou suspeito de mim mesmo.
Continue com o blog e boa sorte. ;)