sábado, 14 de junho de 2008

Solidariedade e cumplicidade

A Sabedoria Popular

Penso que todos nós temos consciência de que o povo na sua douta sabedoria, transporta um conhecimento milenar. Esse conhecimento muitas vezes sem ser compreendido é fonte de vivência e de partilha entre os seus membros, pois não se sabendo a plenitude do seu conteúdo, ele está lá e revela uma profundidade inimaginável.
O que pretende realmente o povo dizer com o ditado: “uma mão lava a outra e ambas lavam o rosto”.
Antes de mais, este aforismo popular, revela uma solidariedade espantosa. Solidariedade convergente, nada interesseira e sobretudo partilhada. A sequência deste acto revela a totalidade do seu ser.
O facto de uma mão lavar a outra é sintoma de que uma mão só, não o consegue fazer bem, pelo que precisa da outra. Aqui a necessidade é aceite abertamente e não é rejeitada. Quantas vezes, a nossa auto-suficiência não leva o afastamento dos outros? Quantas vezes nos é oferecida uma mão de ajuda e nós a recusamos porque nos achamos capazes de viver melhor sem essa ajuda?
Ora as mãos para se lavarem uma à outra necessitam de se procurar reciprocamente e encaixam-se plenamente. São solidárias na acção e na limpeza. Depois desse trabalho colaborativo, ambas lavam o rosto. O rosto não conseguiria lavar-se sozinho, por isso precisa das mãos para ficar limpo e apresentável. Esse embelezamento torna-o mais atraente, e assim, fica mais capaz de se mostrar aos outros tal como é.
Normalmente diz-se que o rosto é o espelho da alma. Ora a ser assim é porque ele revela a pessoa no seu todo mesmo o seu “eu” mais íntimo.
Deste modo, o povo, através deste dizer revela-nos uma sabedoria profunda, feita prática, que comporta a solidariedade, o compromisso, a aceitação, a beleza e a autenticidade de cada um, apenas através do acto de lavar as mãos e o rosto.

Aníbal Carvalho

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