domingo, 7 de dezembro de 2008

Um Conto de NATAL

Estamos a chegar à maravilhosa época de Natal e, por isso, sabe sempre bem recuperarmos estórias, bem nossas, e que por vezes, parecem que se perderam no tempo e no espaço. Esta foi recuperada e espero que nunca mais se perca, mesmo desconhecendo o seu autor. Quem quer que ele seja presto-lhe a minha homenagem, e com a sua autorização, vou partilhá-la com todos os que a quiserem ler.
Aníbal Carvalho

Um conto de Natal
Esta é uma história de Natal, diferente, mas igual a muitas outras histórias. E como todas as histórias, invariavelmente esta também começa com: 'era uma vez...'
Era uma vez um homem e uma mulher, ambos já de muita idade, que viviam numa pequena e modesta casinha isolada nas terras de Trás-os-Montes e Alto Douro. E ali viviam, desde que se tinham casado já lá iam cinquenta e quatro anos.
Os filhos entretanto cresceram, constituíram família e foram viver as suas vidas para a cidade, tendo ficado o casal a viver sozinho. As visitas dos filhos eram escassas e este ano tinha sido o primeiro em que nenhum dos dois filhos tinha feito nem uma visita aos “velhotes”. Embora não o dissessem, sentiam-se abandonados... mas, o Natal estava a chegar e como era tradição, as famílias reuniam-se em sua casa e passavam o período Natalício em conjunto. Já faltava pouco para que pudessem ver e abraçar filhos e netos!
Entretanto, a velha senhora cozinhava afincadamente dia após dia. Os seus olhos estavam mais vivos e os seus gestos mais lestos e cheios de alegria. A seu tempo as guloseimas e doces de Natal íam ficando prontas. As filhoses, o pão-de-ló, a aletria e os doces feitos a partir de receitas caseiras que só ela sabia fazer, mas que os netinhos adoravam. Ah... os queridos netinhos! Havia tanto tempo que não os via! Estas férias de Verão, e ao contrário do que era normal, não tinham vindo passar uns dias à aldeia. Mas isso agora não importava, porque não faltava muito e, eles viriam. Netos, filhos, e o resto da família. Aquela casa iria encher-se de novo de vida e alegria, com os gritinhos das crianças enquanto corriam pelo alpendre em gargalhadas histéricas e a lambuzar-se com os deliciosos docinhos feitas pela avozinha. As suas vozes acalmavam-se quando iam de encontro a ela e lhe segredavam ao ouvido: -"Sabes avó, gosto muito dos teus bolinhos... mas gosto ainda muito mais de ti!"
A avó, com o seu choro fácil, tentava sem conseguir disfarçar as lágrimas que surgiam. O marido, aparentemente abstraído de tudo, olhava ao longe. O seu ar duro suavizava--se perante aquele cenário de felicidade: a alegria daquelas crianças agarradas à avó. Sim, ele também era um homem feliz.
O filho mais novo vivia em Lisboa e a filha, em Coimbra. O casal não dizia nada mas sentia a falta dos seus. Estavam a perceber que a pouco e pouco estes se estavam a afastar, mas não ousavam dizer uma palavra, pois não queriam perturbar as vidas atarefadas dos seus filhos.
Nesta azáfama dos preparativos para o Natal, a velha senhora preparava-se para tirar uns docinhos deliciosos da fornalha caseira que ardia incessantemente quando o telefone tocou. O marido atendeu, deviam ser os filhos pra avisar quando chegariam. Ainda viriam provavelmente a tempo do almoço da véspera de Natal. Ele ouviu e não disse uma única palavra enquanto escutava o seu filho... este explicava-lhe que não iria ser possível ir lá acima. Um imprevisto profissional tinha acontecido e não seria possível passar o Natal lá em casa. Ao mesmo tempo, explicou-lhe que a sua irmã, ao saber disto, decidira também não ir, dado que sendo só ela, não valeria a pena ir! Afinal era uma viagem cansativa e complicada para os miúdos. Ele baixou o auscultador preto do seu velhíssimo telefone. O seu olhar triste foi pousar no olhar da sua esposa. Imediatamente ela percebeu. Não foi preciso dizer uma única palavra naquele momento. E não o disseram...
Sem desconfiarem, os filhos tinham destroçado os velhos corações dos seus pais e desta vez tinha sido a machadada final num ano muito difícil para ambos.Esquecidos e amargurados, ali ficaram. Ele ainda de pé, encostado à mesa, enquanto ela tinha já largado os doces e estava agora sentada numa cadeirinha de baloiço enquanto se cobria com uma coberta antiga que lhe protegia as pernas cansadas do frio, ao mesmo tempo que tentava esconder uma lágrima que lhe caía subitamente e rolava pela face. E assim, naquela noite adormeceram agarradinhos um ao outro, sentindo o calor da salamandra e tentando em vão aquecer os seus corações tristes.
Lá fora o frio caía na pequena aldeia, estava escuro e o vento soprava ferozmente... Ele levantou-se a meio da noite para fechar uma janela que batia furiosamente. O vento forte assobiava tenebrosamente na noite escura. Voltou para a cama e observou com um olhar sério e circunspecto a sua esposa que jazia com um olhar triste e vazio de esperança. Deitou-se lentamente e apagou a luz da gambiarra. E aquele dia assim findou...
De manhã, o dia acordou radioso, e apesar do frio que se fazia sentir, ele levantou-se cedo como era seu hábito e foi apanhar lenha pra alimentar a sua salamandra... A esposa, pelo contrário, ficou deitada. Não tinha vontade nem forças pra se levantar naquele dia. Ele entrou em casa, olhou-a prostrada naquela cama e, revoltado, pousou os ramos apanhados no bosque e dirigiu-se resoluto para o velho telefone.
Desta vez é que era. Estava decidido e ia fazer aquilo em que tinha pensado. A ideia amadurecera durante a noite mal passada. Esta vida triste tinha de acabar e ele estava resolvido a fazê-lo, dissessem o que dissessem, desta vez não iria estar com contemplações...
Pegou no telefone e ligou para o filho em Lisboa:
-"Filho... desculpa, eu não queria estar a incomodar-te, mas... eu tenho que te dar uma notícia. A tua mãe e eu... bem, nós... nós vamos separar-nos; 54 anos de sofrimento e infelicidade são pra mim mais que suficientes, e pra mim, chega! Estou farto...
-"Mas, pai... O que é que estás pr'aí a dizer? - gritou o filho.
Ele respondeu: -"Não conseguimos suportar-nos mais. Estamos fartos, e também já estamos fartos de discutir este assunto. Por isso telefona à tua irmã e dá-lhe tu a notícia." - e desligou o telefone.
Ela olhou com um ar de espanto o seu marido, pensando que talvez desta vez ele tivesse perdido o juízo por completo, enquanto este olhava pra cima e esboçava um sorriso de satisfação. Uma confiança súbita invadiu-lhe a alma com uma esperança renovada.
Histérico, o filho telefona à sua irmã de Coimbra que, ao saber da novidade, explode ao telefone. -"...o tanas é que eles se vão separar," - grita ela - "Eu vou já tratar disto."
Telefona logo de seguida pra casa dos pais. O telefone toca e quase de imediato o pai atende. Ele não tinha saído de perto como se adivinhasse que ele íria tocar daí a um instante: A filha, literalmente aos berros com o pai, diz:-"Vocês NÃO se VÃO divorciar. Tantos anos de casados, aturaram-se durante tanto tempo um ao outro, não é agora que vocês vão fazer uma coisa dessas. Não faz sentido! Não façam NADA enquanto eu não chegar aí. Eu vou ligar novamente para o meu irmão, e nós os dois vamos estar aí amanhã, sem falta. Até lá, não façam nada, OUVIRAM?" - e desligou o telefone.
O velho homem desligou também o telefone em seguida, e virando-se para a sua mulher deitada na cama, diz: -"Pronto, está tudo bem, minha querida. Eles vêm cá ter amanhã pra passar o dia de Natal connosco!"
Ela virou-se, olhou profundamente nos olhos do seu marido e percebendo a astuciosa artimanha que este tinha preparado aos filhos, abraçou-o. Uma outra lágrima voltou a escorrer na sua face, só que desta vez, a lágrima era de alegria. Iam passar o Natal com quem mais gostavam. Iam rever os seus filhos, os seus netinhos adoráveis e iam passar um inesperado, mas Feliz Natal... em família.

Autor desconhecido
(Adaptado)

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